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sábado, 11 de janeiro de 2025


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Do garimpo à joia, fotógrafo retrata o caminho do cristal no interior de Goiás

Município de Cristalina, no Estado goiano, é reconhecido como a "Capital do Cristal"

Divulgação
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Ter uma joia com uma pedra preciosa como o cristal pode ser, para muitos, um verdadeiro sonho de consumo. De um anel a um colar, ter a posse de adereços como estes pode ser capaz de evocar sentimentos profundos de poder e satisfação. No entanto, qual o caminho que o cristal percorre desde a extração da pedra até ela virar uma joia e ganhar o status de obra-prima que fascina e empodera?

Para responder a essa questão, o fotógrafo Hamilton Zambiancki embarcou rumo à cidade de Cristalina, no interior de Goiás. Com cerca de 60 mil habitantes, o município é amplamente reconhecido como a "Capital do Cristal" e guarda, entre suas tradições, o garimpo artesanal que resiste ao passar do tempo. “Conhecer esse ofício em profundidade pode transformar completamente a percepção sobre essa atividade no Brasil”, reflete o fotógrafo.

E é durante a jornada do fotógrafo pelos garimpos da região, que um dos personagens centrais desse caminho da pedra entra em evidência: Aguinaldo Matos. O garimpeiro e lapidador, que trabalha no ofício há mais de 35 anos e que vem de uma linhagem de duas gerações anteriores de homens dedicados ao garimpo é um exemplo claro de que por trás do glamour de uma joia com pedra de cristal, há histórias de dedicação, desafios e uma conexão visceral entre o homem e a natureza.

Tudo começa nas terras de garimpos, onde o solo é cuidadosamente explorado em busca de cristais brutos. O garimpeiro reforça que o processo de extração artesanal deve envolver muito mais do que a força física e resistência, mas, sobretudo um profundo conhecimento das formações geológicas da região.

E é sob o sol escaldante e o clima muitas vezes seco, que Aguinaldo ainda acha tempo [e saliva] para contar que a busca está sempre naquilo que eles chamam de “bambuzar”, ou seja, achar uma grande quantidade de cristais puros, que são os mais valiosos, mas que consequentemente, são os mais raros.

"A gente aprende a identificar onde estão as melhores pedras. É um trabalho que requer paciência, respeito pela terra e, claro, contar com a sorte. Nem sempre a gente encontra o que está procurando, mas, quando acha, a gente ‘bambuza’ e o esforço vale muito a pena", afirma o garimpeiro.

Entre uma rocha e outra, ele afirma ainda que as horas na terra vermelha à procura pela pedra perfeita são como ‘jogar na loteria’. “Isso significa que da mesma maneira que um garimpeiro, já no primeiro dia pode se deparar com os cristais puros e em grande quantidade, também há a probabilidade de passar meses sem encontrar uma única pedra de boa qualidade”, enfatiza o artesão.

A transformação

Após o extenso trabalho de extração, os cristais encontrados seguem para o processo de lapidação, que é uma das etapas mais delicadas e cheia de cuidados. "A gente começa martelando o cristal para tirar as inclusões. Depois disso seguimos para uma máquina chamada serra já tendo em mente a forma que a pedra terá, se é um coração, uma gota, ou se será uma pedra oval. Nessa parte, a possibilidade de ação é quase que infinita e vai depender muito da criatividade de cada artesão na hora da lapidação", explica Aguinaldo apontando para as ferramentas de precisão que utiliza. Hoje, cerca de quatro pessoas trabalham com ele neste processo.

A transformação da pedra bruta em uma joia apta para ser inserida em um anel, colar ou brincos, por exemplo, depende de uma série de fatores. “Tem pedras que a equipe consegue lapidar em 20 minutos. Um serra, outro molda, outro lixa e o último faz o polimento. É como uma engrenagem, onde cada um cumpre o seu papel e no fim do dia foi possível lapidar entre 60 e 70 pedras”, explica enquanto manuseia as ferramentas e prepara uma pedra.

A joia

Uma vez lapidados, os cristais de Cristalina ganham novas formas nas mãos dos joalheiros, como anéis, colares e adornos. "A gente trabalha com a terra e a pedra, mas a joia final, essa vai para longe. Quem usa, muitas vezes nem sabe de onde veio", ressalta Aguinaldo.

Para se ter uma ideia da potência do mercado de joias, nos últimos cinco anos, o segmento avançou consideravelmente. Uma pesquisa feita pela Bain afirma que o setor cresceu 18% em 2022 e com expectativa de dobrar até 2030, muito disso impulsionado por diversas tendências, como personalização, sustentabilidade e o aumento significativo do interesse por joias.

O ofício retratado na cidade do interior de Goiás mostra que a exploração de cristal no local se mantém desde os anos de 1800, com a chegada dos primeiros exploradores na região, os franceses Etiene Lepesqueur e Leon Laboissére, antes comerciantes de ouro na cidade de Rio Bom, hoje conhecida como Paracatu.

Atualmente estima-se, segundo informações dos próprios garimpeiros, que ainda existam cerca de 300 profissionais que trabalham diretamente em garimpos, mas que se levado em consideração atividades correlatas como a lapidação e o próprio comércio, o número de pessoas envolvidas no mercado do cristal seja bem maior.

Ainda assim, mesmo que a administração pública da cidade não tenha números exatos, calcula-se que 90% do mineral extraído de Cristalina seja comercializado para fora do Brasil.

Garimpo como opção turística

Com o crescente interesse pela cultura do garimpo, a atividade passou a se consolidar também como uma atração turística. Há aproximadamente 18 meses, graças a uma iniciativa do Município, o trabalho deixou de ser apenas um ofício tradicional para se tornar uma das principais fontes de turismo na cidade.

Entre os incentivadores do projeto está Edmilson, um dos garimpeiros mais conhecidos da região e que hoje é responsável pelo Garimpo Pedra em Pé, que oferece aos convidados a experiência de garimpar a própria pedra. Ele relata que o encanto pela extração e lapidação de cristais, antes restrito aos profissionais do setor, agora atrai visitantes de diversas partes do país.

O garimpeiro, que nasceu no garimpo e que tem em seu currículo a extração de cerca de 200 toneladas de cristais ao longo de sua vida, recebe em sua propriedade uma média de 40 pessoas a cada final de semana. “São pessoas que estão dispostas a vivenciar o cotidiano do garimpo e apreciar a história e as tradições locais”, conta com orgulho.

Mas ele reforça que o otimismo é grande. “A minha expectativa é que a cultura do garimpo, enraizada na história e na tradição local, contribua [e muito] para consolidar a chamada Rota do Turismo de Cristalina”.

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