O Diáio entrevistou o renomado advogado especializado em Direito Eleitoral Marcio Alvim Trindade Braga, que foi por muitos anos coordenador da cadeira de Direito Eleitoral da ESA do Estado Rio de Janeiro e membro das Comissões de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados Brasileiros e da OAB-RJ. É também Membro da Comissão de Reforma Política do Conselho Federal da OAB e Professor de Direito Eleitoral da Escola do Legislativo da ALERJ, e é considerado um dos mais destacados advogado eleitoralista do nosso Estado, que nos concedeu com exclusividade a entrevista sobre o tema importante condutas vedadas a agente público.:
Diário de Petrópolis (DP): O Senhor poderia enunciar a quem se dirigem as condutas vedadas e as finalidades de suas vedações?
Márcio Alvim (MA) - O conceito estabelecido pela lei das eleições é extremamente amplo, ou seja, agente público é aquele que, ainda que transitoriamente, ou mesmo sem remuneração, está investido de função pública. Esse vínculo pode ser mediante cargo, eleição, livre nomeação, contratação, designação e por aí vai. Mesmo que estejamos em ano de eleição municipal, a legislação fala aos mais diversos órgãos da administração pública. Por exemplo, se um ministro de estado (ainda que não seja ele o candidato, e sequer tenha ele filiação partidária) cometer um ato ilícito em favor de um candidato a vereador, ele poderá ser alcançado e punido pela legislação.
DP
A participação em campanhas eleitorais é um direito de todo o cidadão, inclusive de agentes públicos. Como o senhor vê esta participação, o que pode, o que não pode e quais as consequências do uso do poder político quando a estrutura da administração pública é utilizada em benefício de determinada candidatura ou a própria reeleição de um candidato com mandato ?
MA - Quando se fala em conduta vedada aos agentes públicos, a lei estabelece uma gradação da pena. Pensemos em uma situação hipotética: servidores da prefeitura, durante o horário de expediente, são flagrados em um comício de uma prefeita candidata à reeleição. Nesse cenário exemplificativo, ou em qualquer outro caso de uso da máquina para fins eleitoreiros, tanto os servidores, quanto a candidata podem ser punidos com multa de cinco a cem mil UFIRs, dobrada a cada reincidência. Se os fatos foram graves, reiterados, se ocorrer coação, a depender da repercussão no pleito, considerando-se o tamanho do eleitorado, isto é, se eventual ilegalidade alterar a normalidade da eleição, após o devido processo legal, isso pode gerar a cassação do mandato do candidato beneficiado, sem prejuízo da decretação de inelegibilidade de quem participou do ilícito.
DP
O Senhor é favor ou contra a reeleição para mandatos de cargos do poder executivo, em virtude de ameaça inerente ao uso da máquina pública?
MA- Pessoalmente, acho que o instituto da reeleição fez mal ao Brasil. Por isso, sou contra, valendo para todo mundo. Mas, sem dúvidas, em tal hipótese os mandatos dos chefes do poder executivo teriam que ser estendidos para cinco ou seis anos.
DP
Como o Senhor vê a utilização de mídias sociais por agentes públicos, mesmo fora do expediente de trabalho, utilizando equipamentos e utensílios do poder público?
MA- Fora do horário do expediente o servidor público é cidadão como outro qualquer. Logo, não havendo coação ou uso orquestrado do quadro de pessoal da prefeitura para favorecer candidato "a" ou "b", sem uso do maquinário público, quem possui cargo pode se manifestar politicamente de forma plena, sem restrições. Vale para por um adesivo em um carro particular, vale para uma postagem em rede social de internet. O TSE possui entendimento de que, mesmo até durante o expediente, o servidor pode fazer postagens em prol de candidatos, mas o computador/celular deve ser da própria pessoa, e ainda, não ocorra prejuízo de suas funções.
DP
O Senhor poderia nos informar se teremos alguma modificação na legislação eleitoral para as eleições 2024 quanto às condutas vedadas a agentes públicas?
MA- Não, como a última reforma eleitoral parou no Senado Federal, as regras serão as mesmas da eleição de 2022. Contudo, como o TSE também edita suas resoluções que possuem força de lei, a grande novidade de 2024 será a normatização do uso de inteligência artificial no pleito.
DP
Do ponto de vista jurídico, qual seria o destaque das últimas eleições municipais que deve ser fruto de observação em 2024?
MA- Veja, quando se fala em eleição municipal, sem dúvidas, o grande destaque seria o combate à fraude à cota de gênero, popularmente conhecido como cota feminina. Trata-se de política afirmativa como base na vergonhosa sub-representatividade das mulheres no quadro político nacional. Não há mais espaços para tentativas de burlar, não basta cumprir a meta de trinta por cento de mulheres na listagem de candidatos a vereador. Ora, esse ano a lei que instituiu a cota fará 15 anos. Regra posta e estabelecida. Uma candidata pode ser considerada "laranja" se não praticar atos de campanha, for flagrada pedindo votos para candidato do sexo masculino concorrente ao mesmo cargo, tiver votação zerada ou pífia, ou ainda, não efetuar gastos de campanha, ou apresentar gastos totalmente padronizados em relação às outras candidatas. Se isso ficar comprovado, após o contraditório, todos os votos conferidos ao partido que se valeu da fraude serão anulados, e consequentemente, aquele que foi eleito nesta nominata será cassado, mesmo que não tenha participado da simulação. No Rio de Janeiro, no último pleito municipal de 2020, isso ocorreu em mais de uma dezena de cidades.
DP
Por fim, as condições de elegibilidade dos candidatos são aferidas a cada eleição?
MA- Certamente, dado o interesse público, não há direito adquirido ao deferimento de registro de candidatura, isto é, entre uma eleição e outra não raro ocorrem alterações fáticas e jurídicas que podem impactar na viabilidade das candidaturas dos competidores. Diria até mais, com base em precedentes do TSE, mesmo sem ocorrer qualquer alteração fática, determinada situação jurídica (por exemplo, desaprovação de contas de convênio de um ordenador público junto ao TCE ou no TCU, ou ainda uma condenação por ato doloso de improbidade administrativa) poderá ser reavaliada. Ou seja, quem foi deferido na última eleição poderá ser barrado dessa vez, da mesma forma, quem já foi considerado inelegível em outra ocasião, com um novo enfoque jurídico nessa eleição pode ser liberado para concorrer.
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