José Gadelha (Fiocruz Rondônia)
Com um estudo intitulado Avaliação da resistência aos antimicrobianos de bactérias patogênicas isoladas de amostras clínicas, ambientais e de efluentes hospitalares na região de Porto Velho-RO, pesquisadores da Fiocruz e do Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem) de Rondônia identificaram as espécies bacterianas, investigaram o perfil de resistência aos antibióticos de bactérias do gênero Klebsiella e Pseudomonas aeruginosa. Os resultados demonstraram que houve maior prevalência de colonização de Klebsiella spp. e Pseudomonas aeruginosa na cavidade bucal e axila de pacientes hospitalizados, bem como em leitos no caso das superfícies hospitalares. Em amostras de profissionais de saúde intensivistas, as bactérias do gênero Klebsiella foram mais frequentes na cavidade nasal. O objetivo do estudo foi o compartilhamento de evidências científicas para contribuir com a Secretaria da Saúde de Rondônia na adoção de medidas de combate às infecções em ambiente hospitalar e à resistência aos antibióticos. A apresentação dos resultados foi organizada em colaboração com o Instituto de Educação em Saúde Pública de Rondônia (Iespro).
Em relação ao perfil de resistência, no estudo com Klebsiella houve um quantitativo maior de bactérias resistentes (acima de 50%) a antibióticos da classe das cefalosporinas e fluoroquinolonas (ciprofloxacina e levofloxacina), principalmente em amostras coletadas de superfícies hospitalares e pacientes hospitalizados. Enquanto nas amostras provenientes de profissionais de saúde, a quantidade de microrganismos resistentes foi consideravelmente menor. Além disso, as bactérias foram mais sensíveis a polimixina B (94,3%) e aos carbapenêmicos (acima de 70%).
Os pesquisadores estudaram as bactérias do gênero Klebsiella e Pseudomonas aeruginosa, pois elas estão inseridas na lista global da Organização Mundial de Saúde (OMS) como microrganismos de importância para a saúde pública. Estudos com esses microrganismos têm sido uma prioridade, porque têm apresentado uma alta taxa de resistência aos antibióticos frequentemente utilizados na prática clínica, como as cefalosporinas e até mesmo os carbapenêmicos (considerados entre as últimas opções de tratamento). A pesquisa avaliou a ocorrência da disseminação de bactérias multirresistentes em ambiente hospitalar, pacientes hospitalizados em UTIs, profissionais de saúde intensiva e superfícies hospitalares como piso, leitos, aparelhos de ventilação mecânica, bancadas, torneiras e lavatórios ou pias.
No ambiente hospitalar as bactérias tendem a ser mais resistentes devido ao maior uso de antibióticos. Elas podem se espalhar com maior facilidade dentro e entre unidades de saúde, por meio do contato pessoa a pessoa, mãos contaminadas de profissionais de saúde ou superfícies contaminadas, ocasionando infecções relacionadas à assistência à saúde (Iras), anteriormente conhecidas como infecções hospitalares.
“As Iras ameaçam a segurança dos pacientes e podem causar hospitalização prolongada, além de incapacidade a longo prazo, e aumento da resistência aos antibióticos, causando um impacto financeiro adicional para o Sistema Único de Saúde. Por isso, constatamos a necessidade de realização de estudos com essas bactérias, com o objetivo de identificarmos esses microrganismos e propormos estratégias conjuntas para combater as infecções hospitalares e a resistência aos antimicrobianos de acordo com a realidade dos hospitais de Porto Velho”, esclarece a pesquisadora Najla Benevides Matos, chefe do Laboratório de Biologia de Microrganismos da Fiocruz Rondônia.
O estudo usou metodologias de análise do DNA bacteriano permitindo confirmar a ocorrência de disseminação/propagação de clones de Klebsiella pneumoniae multirresistentes entre as unidades hospitalares analisadas, entre pacientes; pacientes e superfícies hospitalares; e paciente e profissional intensivista, sendo o clone mais prevalente o ST629, seguido do ST11. Os pesquisadores destacam que esses dados são extremamente relevantes, pois há poucos estudos demonstrando a ocorrência do ST629, não tendo sido encontrado artigos publicados sobre esse clone no Brasil, podendo ser este o primeiro relato no país. O ST11 é considerado um clone disseminado mundialmente e conhecido como causador de surtos em diversos hospitais.
Quanto ao estudo com Pseudomonas aeruginosa, os pesquisadores identificaram que essas bactérias apresentaram maior taxa de resistência aos carbapenêmicos, sendo 33,7% resistentes ao imipenem e 29,6% ao meropenem, havendo maior sensibilidade aos antibióticos piperaciclina-tazobactam; ceftolozane-tazobactam e ceftazidima-avibactam, com percentuais superiores a 80%. Por meio da pesquisa de genes que conferem resistência aos antibióticos, foi observado que as bactérias dessa espécie podem estar se utilizando de outros mecanismos de resistência não incluídos no estudo para serem resistentes aos carbapenêmicos. Com base na análise do DNA de Pseudomonas aeruginosa também foi possível comprovar que houve a colonização de pacientes com clones multirresistentes encontrados em superfícies hospitalares e em outros pacientes, além de ocorrer a disseminação desses clones entre diferentes hospitais de Porto Velho. O clone de Pseudomonas aeruginosa mais prevalente foi o ST3079, reportado anteriormente pela primeira vez no Rio de Janeiro, tendo ocasionado surtos.
Com esses resultados, os pesquisadores destacam a importância da higiene das mãos, o uso correto de equipamentos de proteção individual (EPIs) por profissionais de saúde, utilização racional de antibióticos e a necessidade de higienização adequada das superfícies hospitalares como medidas de prevenção à propagação das infecções relacionadas à assistência à saúde, e para combater a resistência antimicrobiana. “Essas são ações pontuais que podem minimizar os impactos ao sistema público de saúde e aos pacientes que necessitam de atendimento médico e hospitalar, além de fornecer aos gestores públicos dados concretos sobre a situação desse grave problema de saúde pública, considerando os desafios e as necessidades da saúde em nossa região”, conclui Najla Matos. O estudo foi financiado pelo Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS), por meio da Fundação de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicas e Tecnológicas e à Pesquisa (Fapero); o Instituto Nacional de Epidemiologia na Amazônia Ocidental (INCT-EpiAmO) e CNPq.
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