Entidades e autoridades demonstram preocupação sobre o futuro do setor gastronômico
Larissa Martins
Em menos de uma semana, Petrópolis foi surpreendida pelo fechamento de dois estabelecimentos tradicionais do Centro, considerados referência gastronômica para turistas e petropolitanos: a Petiscaria Imperial e o Bar e Restaurante da Cervejaria Bohemia.
Após 13 anos de atividades, a Petiscaria anunciou o encerramento em um comunicado nas redes sociais, despedindo-se de clientes, amigos, fornecedores e agradecendo, em especial, aos colaboradores.
“A todos que confiaram em nós, que celebraram sonhos ao nosso lado e que nos acolheram com carinho, o nosso muito obrigado. Se em algum momento falhamos, pedimos desculpas de coração. Seguimos em frente com a certeza de que cada detalhe valeu a pena”, dizia parte da nota.
Cervejaria Bohemia
Nessa quarta-feira (3), o Grupo Ambev, o qual a Cervejaria Bohemia faz parte, confirmou ao Diário o fechamento do Bar e Restaurante, motivado por uma reestruturação nacional. A companhia está descontinuando alguns estabelecimentos.
“A Cervejaria Bohemia continuará operando com uma linha de produção e o tradicional Museu da Bohemia seguirá em funcionamento e aberto ao público. O complexo faz parte da história do setor cervejeiro e da cidade e toda essa trajetória será preservada. Não haverá mudanças nas receitas e nem no processo de produção das cervejas, e a distribuição dos rótulos para os pontos de venda seguirá sem impactos”, disse a nota.
Em reunião com um representante do Grupo, o Secretário de Turismo Pablo Kling, questionou sobre os empregos.
“Em relação à demissão dos colaboradores, a Ambev afirmou que alguns serão realocados em outras funções dentro da própria empresa ou transferidos para outras unidades da companhia. Além disso, a Ambev já está avaliando novas parcerias com operadores para assumir o local, seguindo o modelo que, segundo a empresa, já deu certo em outros restaurantes”, explicou.
Representantes empresariais
O fechamento preocupou entidades e autoridades, acendendo um alerta sobre o futuro dos empreedimentos no município. O Diretor de Marketing da Associação Comercial e Empresarial de Petrópolis (ACEP), Stefan Reinold, lamentou a perda.
“O fechamento do restaurante da Bohemia e da Petiscaria Imperial representa, sem dúvida, uma perda significativa para o cenário econômico da cidade, com impacto em empregos diretos e indiretos, além de abrir uma lacuna importante no turismo local. Também deixa uma marca simbólica em Petrópolis, já que eram casas com valor histórico, cultural e, em muitos aspectos, afetivo, que atraíam turistas e fortaleciam a identidade da cidade como destino de eventos e de gastronomia. Cada fechamento acende um alerta e reforça a necessidade de movimentos articulados que possam oferecer melhores condições para a permanência e fortalecimento dos negócios locais”, destacou.
A associação afirma que situações como essa costumam ser resultado de um conjunto de fatores, desde gestão e carga tributária até questões econômicas, incentivos fiscais e políticas públicas.
“Mesmo com esforços existentes, ainda se percebe uma deficiência no apoio efetivo ao empresariado. Muitos negócios enfrentam burocracia complexa e pouca previsibilidade, o que dificulta o planejamento de longo prazo. Embora os fatos sejam recentes e cada decisão empresarial tenha suas particularidades, é inegável que o fechamento está diretamente ligado à dificuldade de alcançar rentabilidade de forma sustentável”, observou.
A ACEP ressaltou que mantém uma postura aberta e proativa, em diálogo constante com representantes do poder público e sempre buscando ampliar essa aproximação.
“O fechamento do restaurante da Bohemia, em especial, evidenciou a urgência de discutir soluções concretas e imediatas. Acreditamos que agendas conjuntas podem resultar em um plano sólido de valorização do empresariado local, com incentivos, parcerias e estratégias que evitem novas perdas para a cidade. O papel da ACEP é mobilizar, unir forças e apresentar alternativas viáveis para fortalecer o ambiente de negócios em Petrópolis”, frisou Stefan.
O Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Petrópolis, Cláudio Mohammad, também demonstrou preocupação.
“O fechamento de negócios tradicionais em Petrópolis preocupa o comércio local, pois além do impacto econômico imediato, também representa a perda de espaços que ajudavam a atrair visitantes e movimentar toda a cadeia turística. Quando empresas consolidadas encerram suas atividades, o reflexo é sentido em diversos níveis: redução de empregos, queda no fluxo de consumidores e enfraquecimento da confiança de outros empreendedores. Apesar de casos recentes, não há uma retração generalizada do setor, que segue vibrante e diversificado, mas os episódios acendem um alerta para a necessidade de apoio mais efetivo ao empreendedor que sofre com carga tributária, encargos trabalhistas, insumos caros e a diminuição do poder de compra da população. Para fortalecer o comércio, é essencial criar um ambiente de negócios mais favorável, com desburocratização, estímulos ao empreendedorismo, crédito acessível, qualificação de mão de obra e ações de valorização do consumo local. Eventos e iniciativas que movimentem a cidade também são fundamentais para gerar fluxo e consolidar Petrópolis como destino competitivo”, disse.
Manifestações na Câmara
O assunto também repercutiu no Legislativo levantando discussões sobre as dificuldades enfrentadas pelos empresários.
“O fechamento de dois estabelecimentos históricos como a Petiscaria Imperial e o Bar da Bohemia em menos de uma semana é um cenário preocupante para nossa cidade. Como representante da população, acredito que esses estabelecimentos são parte importante da nossa cultura e identidade local. A perda desses estabelecimentos pode ser atribuída a vários fatores, incluindo questões econômicas, carga tributária e burocracia. É fundamental que a Câmara Municipal discuta políticas de incentivo e apoio ao setor gastronômico e turístico da cidade para evitar novas perdas”, declarou o vereador Júnior Paixão (PSDB).
Ainda segundo ele, a Câmara Municipal pretende discutir políticas públicas específicas para apoiar os pequenos negócios e estabelecimentos históricos, como redução da carga tributária, simplificação burocrática e apoio financeiro.
“No âmbito legislativo, podemos tomar medidas para evitar novas perdas de casas tradicionais, como a criação de programas de apoio para ajudar os estabelecimentos a se manterem abertos e a se desenvolverem. E, também o fomento ao turismo para aumentar a visibilidade e o fluxo de clientes nos estabelecimentos locais.
Parcerias com iniciativa privada para encontrar soluções inovadoras e sustentáveis para os desafios enfrentados pelos estabelecimentos”, disse.
O Vereador Marquinhos Almeida (PP) também falou sobre as questões burocráticas enfrentadas pelos empresários.
“Um simples passeio por Petrópolis constata-se que existem inúmeros imóveis comerciais fechados. Urge que o município promova meios de prestar auxílio a todo comércio da cidade, lembrando dos vínculos trabalhistas respectivos e mesmo a arrecadação dos impostos cabíveis, que traz divisas para a cidade. Também há de ser destacada a vocação turística de Petrópolis que nunca deve ser depreciada. Nesse sentido, esta Câmara não economizará esforços com a finalidade de implementar leis que possibilite ao comerciante manter seu negócio”, disse.
Na avaliação da Vereadora Professora Lívia Miranda (PCdoB), o cenário atual resulta de uma combinação de fatores.
“A carga tributária é um fator importante, hoje temos multas com valores altíssimos que impedem que os bares possam se adequar e continuar suas atividades. A verdade é que temos um conjunto de entraves: legislações que não são claras, e que tem aspectos punitivistas para com os estabelecimentos, falta de intervenção urbana por parte dos órgãos públicos municipais e estaduais, como a Prefeitura e a Polícia Militar, que na nossa concepção deveriam atuar para garantir o direito ao lazer e a segurança da população, além disso, a dificuldade em obter licenças e principalmente a ausência de políticas públicas claras de valorização do setor. O toque de recolher, nesse contexto, é mais um obstáculo que se soma aos demais, bares que não podem funcionar com vida noturna, tornando inviável a sobrevivência de muitas casas tradicionais. Petrópolis precisa escolher: ou valoriza sua vocação turística e cultural, ou continuará perdendo patrimônio e empregos”, alertou.
A Vereadora Júlia casamasso (PSOL) também reforçou sobre o toque de recolher.
“Não podemos deixar de relacionar esse quadro ao toque de recolher que persiste em nossa cidade. O encerramento das atividades de bares e restaurantes é também uma consequência direta dessa medida, que obriga os estabelecimentos a fecharem às 22h, restringindo o acesso da população à cidade, à cultura e ao lazer. Medidas como a instrução normativa de 2019, que inaugurou a lógica do toque de recolher, foram adotadas pela Prefeitura sem diálogo e sem planejamento e agravaram ainda mais a situação. Ao invés de fortalecer o setor que gera empregos e renda, a gestão municipal impôs restrições que atingem diretamente bares, restaurantes e toda a cadeia produtiva ligada ao turismo. A esse cenário somam-se problemas estruturais, como a ausência de políticas públicas capazes de promover um desenvolvimento econômico sustentável”, destacou.
O Vereador Léo França (PSB) citou ainda o fechamento do supermercado Extra do Alto da Serra.
“Isso é reflexo direto da falta de gestão da Prefeitura com o setor produtivo. Não existe um plano claro de incentivo, nem medidas concretas de apoio ao empreendedor, ao comerciante e ao trabalhador. O resultado é a perda de postos de trabalho e a fragilização da nossa economia. A Prefeitura precisa, com urgência, montar um grupo de trabalho sério e eficiente, para buscar soluções imediatas que garantam a sobrevivência de nossas empresas. É hora de cobrar responsabilidade e ação do governo municipal”, alertou.
O Vereador Wesley Barreto (PRD) contou sobre uma proposta que pode ajudar os empresários a se reerguerem.
“Eu estou propondo, por meio de uma indicação legislativa, a elaboração de um termo de cooperação técnica entre a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico com a AgeRio (Agência de Fomento do Estado do Rio de Janeiro) para que a Secretaria mapeie os estabelecimentos de acordo com as suas demandas e vulnerabilidades, para que os nossos empresários tenham mais acesso às informações assertivas quanto à política de crédito e socorro financeiro às empresas locais que é concedido pela agência. O nosso foco é garantir que Petrópolis mantenha sua relevância no roteiro turístico nacional, estimulando a geração de emprego e renda”, contou.
“O bar da Bohemia é um símbolo importante do polo cervejeiro que está instalado em nossa cidade e o fechamento deste estabelecimento, assim como a Petiscaria Imperial, nos preocupa muito. O setor de serviços é o maior empregador de Petrópolis e precisamos fortalecer cada vez mais este vetor da economia ainda mais pensando Petrópolis como uma cidade que tem no seu turismo uma das principais atividades. Vamos estar acompanhando, da Câmara, essa situação para poder não apenas repor estas perdas, mas também para trazer mais investimentos qualificados, beneficiando os consumidores e também setores complementares, como o de hotéis e pousadas. Toda a roda da economia precisa girar e, no que depender de nós, vamos lutar para alcançar estes objetivos”, afirmou o vereador Thiago Damaceno.
A Prefeitura foi questionada sobre as preocupações com o cenário atual, mas não respondeu até o fechamento da edição.
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