Pe. Anderson Alves
A análise de De Trinitate revela mais do que uma estrutura teológica refinada; mostra o coração inquieto de um homem que não se contentou em crer sem buscar compreender, nem em compreender sem amar. Agostinho nos apresenta uma teologia que respira, ora e contempla. Para ele, investigar a Trindade é uma forma de purificar o olhar, é amar a verdade revelada e desejar ver Deus com a alma inteira.
O mistério trinitário não é um problema a ser resolvido, mas um dom a ser acolhido com humildade e reverência. Como ensina o próprio Agostinho: “Rara é a alma que, falando da Trindade, sabe de que coisa fala” (Confissões, XIII, 11, 12). Ainda assim, ele insiste que devemos nos empenhar em conhecê-la, pois nela está a fonte do nosso ser e o modelo da comunhão perfeita.
A abordagem agostiniana também tem profunda relevância para os nossos tempos. Vivemos numa era de avanço científico e tecnológico acelerado, em que a razão e a técnica muitas vezes caminham divorciadas da sabedoria e da espiritualidade. Agostinho, entretanto, aponta para uma integração possível: fé e razão não são adversárias, mas aliadas no caminho que conduz ao Amor. Sua obra nos lembra que todo conhecimento verdadeiro deve desembocar na caridade scientia inflat, caritas aedificat (“o conhecimento incha, mas a caridade edifica”).
Ao reconhecer os vestigia Trinitatis na estrutura da alma humana memória, inteligência e vontade Agostinho nos convida a contemplar a imagem de Deus em nós e a ordenar nossas faculdades interiores para o bem. O homem, criado à imagem da Trindade, é chamado a viver em comunhão com o outro e com Deus. Este é o ponto onde teologia, antropologia e espiritualidade se entrelaçam no pensamento do bispo de Hipona.
Essa unidade entre o saber e o viver, entre crer e amar, é o cerne da sua proposta. Por isso, De Trinitate é também um convite à conversão interior. Como ele mesmo afirma: “A razão já purificada deve aplicar-se à contemplação do eterno” (De Trinitate, IV, 18, 24). É preciso, pois, purificar-se não apenas intelectualmente, mas existencialmente para que a Trindade não seja apenas conhecida de fora, mas acolhida no mais profundo da alma.
Ao concluirmos esta etapa da exploração do De Trinitate, fica o convite à leitura paciente e orante da obra, não como exercício puramente acadêmico, mas como itinerário de fé. Que esta série de artigos, frutos de um esforço coletivo, inspire não apenas pesquisadores e acadêmicos, mas todos aqueles que desejam aprofundar sua compreensão de Deus e viver com mais intensidade o mistério da fé cristã. Pois, como nos ensina Agostinho, só pode realmente compreender a Trindade aquele que a busca com o coração inflamado pelo amor.
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