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sábado, 21 de junho de 2025


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Fogueiras de Junho

*Mario Donato D’Angelo médico e pesquisador

Foto:  Marcello Casal jr/Agência Brasil
Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil


Acordei hoje no frio de junho em Petrópolis e, de repente, me veio à cabeça o casamento na roça, o quentão, o milho, os estalinhos no chão

Mas o que voltou com mais força foi aquela alegria pálida, como brasa de fogueira, que tomava os nossos corações jovens, ansiosos, esperançosos.

Era uma época esperada.

A gente sabia que ia acontecer.

E contava os dias.

Contava os dias pra dançar quadrilha, rir de bobeira, pintar com rolha queimada um bigodinho e cavanhaque no rosto para dar um toque de caipira, comer pé de moleque até passar mal, jogar pescaria, levar susto com estalinho no sapato e, quem sabe, encarar aquele olhar que fazia a festa ter um brilho a mais.

Não sei ao certo em que ano a quadrilha sumiu das Praças e dos clubes.

Só sei que um dia eu pisquei, e o coreto da praça estava vazio, a sanfona calada, e os pares dispersos como balões que escapam da mão da criança no meio da dança.

Mas houve um tempo, ah, houve!  em que junho fazia morada no coração de Petrópolis. Era só o frio surgir na serra que os lenços começavam a sair das gavetas, as bandeirinhas ganhavam o céu e o cheiro de milho cozido se espalhava como bênção de vó.

No Palácio de Cristal, havia luz. Luz mesmo.

Das lanternas coloridas, dos olhos enamorados, das moças que dançavam de trança e fita nos cabelos.

Tinha algo no ar, e não era só fumaça da fogueira, era um certo encantamento antigo, que fazia até o mais tímido dos cavalheiros ensaiar o “olha a chuva!” com vergonha e bravura.

As famílias preparavam os arraiás em casa, no quintal, na calçada.

Criança se vestia de caipira, os avós vinham cedo pra garantir lugar, e o rádio tocava Luiz Gonzaga como quem benze a noite.

No Clube Petropolitano, então, nem se fala.

Era dia de forró de verdade. E a quadrilha era um espetáculo, com noiva, padre, sanfoneiro e até beijo roubado na hora do “anarriê”.

Tinha o bingo, a pescaria, e claro, o cachorro-quente, aquele bem exagerado, com molho escorrendo até o punho da camisa xadrez, e um pedaço de milho agarrado na bochecha sem que ninguém tivesse coragem de avisar.

E nós, bobos e tímidos, apaixonados de longe, jogávamos estalinho no chão perto do pé da menina.

Era o nosso jeito desajeitado de dizer “eu gosto de você”.

O “Pack!” do estalo era o grito que não saía da boca.

Ela olhava assustada, a gente sorria sem coragem.

E pronto: estávamos namorando, mesmo que ninguém soubesse.

A festa junina daqueles tempos tinha algo que hoje se perde:

romantismo sem pressa. Dança com pedido de licença. Paquera com olhar.

Tempo com cheiro de pipoca.

E foi assim, sem aviso, que a festa foi se apagando.

Primeiro sumiram as fitas nos cabelos. Depois, os pares da quadrilha.

E por fim, o tempo, esse danado, apagou até as fogueiras dos quintais.

Hoje ainda se acendem luzes, vendem canjica, montam barracas.

Mas é diferente.

Falta um pouco daquele encantamento miúdo,

da inocência de dançar de rosto colado sob o céu cheio de bandeirinhas, com o coração aceso feito lampião.

Às vezes passo pela Praça da Liberdade em junho e fecho os olhos por um instante.

Se escutar com atenção, juro que ainda se ouve ao longe:

Olha a chuva!

Já passou!

E penso que talvez, no fundo, toda festa junina verdadeira seja assim:

uma lembrança quente em noite fria. Uma saudade que dança. E um coração que, mesmo velho, ainda sabe responder ao “balancê”.

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