Grupos reflexivos com homens autores de violência reduzem reincidência de 17% para 1,5%; resultados inéditos foram apresentados no Seminário Nacional sobre Masculinidades na FGV
Estudos apontam para uma alta taxa nacional de reincidência com homens agressores de mulheres, com cerca de 40% a 50% deles voltando ao sistema prisional por crimes relacionados à Lei Maria da Penha. Um programa pioneiro do Governo do Estado do Rio de Janeiro está mudando esse cenário e salvando mulheres. Atuando com grupos reflexivos com homens privados de liberdade na Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli, as Secretaria de Estado da Mulher e de Administração Penitenciária, em parceria com o Instituto Mapear, conseguiram reduzir a taxa de reincidência de 17% para 1,5%. Os resultados dos primeiros seis meses da política pública foram apresentados nesta quinta-feira (09/10) durante o Seminário Nacional sobre Masculinidades e Prevenção às Violências, no Centro Cultural da Fundação Getulio Vargas, em Botafogo.
- Mais de 98% dos homens que passaram pelo projeto não voltaram a reincidir em crimes de violência doméstica. É um resultado que mostra como é possível salvar vidas com políticas públicas inovadoras - destacou o governador Cláudio Castro.
Desde dezembro de 2024, os grupos reflexivos promovem a responsabilização e a reflexão dos agressores sobre seus atos. Até o momento, 1.003 homens privados de liberdade por crimes de violência doméstica, custodiados na Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli, em São Gonçalo, passaram pela metodologia, que propõe oito sessões, com duração de 50 minutos cada, voltadas à discussão sobre masculinidades e à prevenção da violência contra mulheres. Desses, 195 já deixaram o sistema prisional e, em seis meses de acompanhamento, apenas três reincidiram todos com presença em menos da metade das sessões propostas. A participação é voluntária e não tem vínculo com redução de pena. O programa vai monitorar todos os egressos por um ano para levantar se retornam ao sistema prisional e/ou se há novo registro de ocorrência em delegacia por violência doméstica ou familiar.
- O estado do Rio de Janeiro é pioneiro na implementação em larga escala do artigo 22 da Lei Maria da Penha, que prevê a criação de espaços de educação e reabilitação para agressores de mulheres em privação de liberdade. É a primeira vez no Brasil que um projeto nesse modelo e nessa escala é desenvolvido dentro de uma unidade prisional. Investimos em fazer diferente porque precisamos de resultados diferentes disse a secretária de Estado da Mulher, Heloisa Aguiar.
E os resultados já estão aparecendo: enquanto os números de feminicídio e de tentativas de feminicídio crescem no país, o Rio de Janeiro apresenta redução de 13% e de 22%, respectivamente, entre janeiro e agosto de 2025, comparado ao mesmo período do ano passado.
- A ressocialização de agressores através de grupos reflexivos é uma política de proteção às mulheres. Cada homem que reflete sobre suas atitudes representa uma violência a menos e vidas preservadas - completou a secretária de Administração Penitenciária, Maria Rosa Lo Duca Nebel.
O SerH aplicou questionários aos participantes para levantar o perfil dos homens privados de liberdade e também mensurar o aprendizado após as oito sessões.
Perfil dos participantes:
76,8% têm entre 18 e 34 anos (39% menores de 23).
73% se autodeclaram homens negros.
44% têm ensino médio completo ou incompleto
30% têm ensino fundamental incompleto
63,4% se autodeclaram evangélicos
Adicções: álcool 64%, cocaína 38%, crack 28%, jogos 26%.
Motivos da prisão:
45% violência física.
31% violência psicológica/verbal.
20% descumprimento de medida protetiva.
Os questionários aplicados antes e após os grupos reflexivos demonstraram resultados expressivos na mudança de percepção sobre o que é violência e nas relações de gênero. Após a participação nas atividades, o entendimento de que forçar ter relação sexual com a companheira configura violência sexual passou de 83,4% para 91,6% entre os participantes. A compreensão de que esconder dinheiro e documentos é uma forma de violência patrimonial também cresceu de 34% para 76,5%, assim como o reconhecimento de que atitudes de controle sobre a vestimenta são formas de violência psicológica que antes era de 57,1% para 80% após a participação no grupo.
- Tínhamos um elevado índice de reincidência entre os detentos por violência doméstica no Patrícia Acioli, com parte deles cumprindo segunda, terceira e até quarta reincidência. São homens que apresentam padrões elevados de violência. Eles entram na cadeia acreditando que estão naquela situação porque a mulher o colocou ali e permanecem nutrindo essa revolta. Os grupos reflexivos, por meio de uma metodologia própria, os faz entender que os seus atos os colocaram na prisão, que eles cometeram crimes previstos em lei disse o diretor do Instituto Mapear, Luciano Ramos.
Seminário Nacional sobre Masculinidades
O Seminário Nacional sobre Masculinidades e Prevenção às Violências, promovido pela Secretaria de Estado da Mulher, em parceria com o Instituto Mapear, continua nesta sexta-feira (10), no auditório dos Correios, na Cidade Nova, com a capacitação de gestores municipais para a criação de grupos reflexivos com homens autores de violência em todo o estado e assinatura de termos de cooperação técnica. Mais de 110 gestores de 34 municípios se inscreveram para participar.
Nesta quinta-feira (09), as mesas de debate abordaram temas como “Masculinidades e Prevenção à Violência contra a Mulher” e “Saúde do Homem como Estratégia de Cuidado”, contando com a participação de nomes de destaque nacional e internacional, como Gary Barker, líder global no tema de masculinidades pelo Center for Masculinities and Social Justice; Tatiana Moura, pesquisadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Marcos Nascimento, pesquisador da Fiocruz e consultor da Organização Mundial da Saúde; e Celmário Brandão, coordenador de Atenção à Saúde do Homem no Ministério da Saúde.
Durante o Seminário, o governador Cláudio Castro assinou um protocolo de intenções para que o Rio de Janeiro sedie, em maio de 2026, o Summit on Fatherhood, Caregiving and Equality, evento internacional dedicado ao debate sobre cuidado e masculinidades. O documento também foi assinado pela primeira-dama, Analine Castro; pela secretária de Estado da Mulher, Heloisa Aguiar; pelo diretor do Instituto Mapear, Luciano Ramos; e pelo líder global do Promundo, Gary Barker.
Veja também: