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terça-feira, 03 de junho de 2025


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Gratuidade

Ataualpa A. P. Filho - professor

Foto: Pixabay
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Doar-se. Dispor-se. Servir. Dedicar-se ao trabalho voluntário, simplesmente por altruísmo, por agir em função do exercício da responsabilidade social vinculada a ações comunitárias.

A prática solidária tem como propósito beneficiar o outro, porém proporciona a quem ajuda um sentimento de prazer. Esse fato pode ser comprovado cientificamente, uma vez que, há, no cérebro, o estímulo da liberação de dopamina e de serotonina que despertam a sensação de felicidade. Praticar o bem faz bem.

Sempre falo que a caridade também vicia, pois não dissocia do amor. E o amar desafia os nossos limites: o que se faz por amor?...

Admiro as pessoas que agem despretensiosamente. Trabalham voluntariamente com empenho solidário, desprovidas de interesses financeiros e sem buscar dividendos publicitários para autopromoção. O silêncio, o anonimato guardam ações solidárias que resgatam a dignidade humana.

A paz torna-se um desafio, porque o desejo de possuir tem sido colocado acima do desejo de partilhar. A possessividade gera conflito em diversas esferas, seja em um simples relacionamento afetivo em que se faz presente o ciúme, ou em guerras provocadas por domínios territoriais. Quantas famílias foram parar nas delegacias, nos tribunais por causa de heranças? Roubos, furtos são movidos pelo desejo de possuir, mesmo ilicitamente.

O tempo nos mostra que é mais fácil desapegar-se de bens matérias do que se desvencilhar do orgulho, do egoísmo, da vaidade, do ódio, da inveja. Os defeitos de caráter também estão nas raízes de vários conflitos.

Há um provérbio que diz: “se cada um varrer a calçada da sua casa, a rua ficará limpa”. Tenho um amigo que age assim: além de cuidar bem da frente da casa, ainda planta flores e árvores frutíferas nas margens do rio que passa na frente da sua residência.

Na semana que passou, encontrei-o na frente da casa podando a Bougainville que estava acima do muro. Depois de cumprimentá-lo, falei:

Você deve usar luvas, por causa dos espinhos...

Sem as luvas, tenho mais cuidado com eles respondeu-me.

Segui o meu caminho, pensando nos cuidados que temos que ter com os espinhos. Quando nos descuidamos, geralmente nos ferimos...

A proposta de escrever este texto sobre as atitudes gratuitas nasceu na manhã de sexta-feira (30/05), quando uma amiga me falava da dificuldade do franciscanizar-se, do desprendimento dos vícios humanos que levam à mesquinhez. Descrevia o cansaço de testemunhar brigas por futilidades.

À medida em que eu a ouvia, os versos de “Poema em Linha Reta” de Fernando Pessoa vinham à mente, pois sinto esse mesmo cansaço. Cansa ver o envaidecimento pelo fútil, cansa ver a ostentação nas atitudes vazias nutridas pela vileza.

A humildade é uma das riquezas do servir gratuitamente. No anonimato, é possível agir com discrição, na sutileza da simplicidade.

O transtorno da autorreferência, o egocentrismo ganharam espaços nas redes sociais. A busca da visibilidade, mesmo por meio de perfis falsos, revela a face da vaidade que permanece no verniz da superficialidade estética, sem profundidade alguma.

No poema citado de Pessoa, encontramos o verso: “todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.”  Em “Tabacaria”, esse grande poeta diz: “Não sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

E aqui resgato mais um fato que testemunhei na semana que passou: uma amiga ficou dois meses e seis dias cuidando de cinco gambás. Explico:

Uma outra amiga, que mora perto de um pedaço de mata, tem um cachorro grande. Quando percebeu que ele latia ferozmente no quintal, foi olhar o que estava acontecendo. Viu que ele havia matado uma gambá que estava com seis filhotes nas costas. Não foi possível salvá-la. Um dos filhotes também não resistiu aos ferimentos.

A dona do cachorro, triste, ligou para essa amiga e narrou o fato. Imediatamente ela veio. Pegou os filhotes e levou para casa dela. Cuidou carinhosamente deles. Passaram-se exatamente dois meses e seis dias, o suficiente para que eles ganhassem uma autonomia para viver em um ambiente apropriado.  Soltou-os em uma mata perto de um rio.

Ela já cuidou de vários animais, arcando com todos os custos e com o mesmo carinho, com discrição e no anonimato. Não expõe os seus feitos em redes sociais. Em nome dos gambás sobreviventes, dei-lhe um abraço com a palavra: “gratidão”.  Pessoas e animais podem ser acolhidos em rede de ajuda.

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