Vereadora defende o modelo de transporte público com tarifa zero
Mariana Machado estagiária
A vereadora Júlia Casamasso (PSOL) conversou com o Diário sobre os principais desafios enfrentados por Petrópolis recentemente, além de medidas que acredita que devam ser adotadas em prol do município. Júlia tem em sua trajetória, políticas populares, lutas feministas e movimentos sociais, e atua também no enfrentamento às empresas de ônibus e na prevenção de desastres.
A vereadora comentou sobre o aumento na tarifa dos ônibus, uma vez que foi cobrado aos usuários nessa terça-feira (22), no cartão, o valor de R$ 5,90, quando o reajuste ainda não estava homologado na justiça. Com isso, Júlia ressalta que o aumento foi feito de forma irregular, uma vez que ainda precisa ser apresentado no Comutran (Conselho Municipal de Trânsito), e enviado à Câmara Municipal com sete dias de antecedência.
Ressalta também que é completamente contra o aumento tarifário, principalmente por defender o modelo de transporte público de tarifa zero. “Na nossa visão, não tem que ter empresa privada operando um serviço que é público. Sem o aumento, a gente já paga uma das tarifas mais caras do Estado e tem um transporte deficitário, que não atende a população, e nem quem opera o sistema, que são os rodoviários. Não é à toa que em praticamente um mês, teve três paralisações. Então, a gente defende a municipalização do transporte público”, diz.
Segundo a vereadora, vem no PAC Seleções Mobilidade cerca de R$ 150 milhões para a renovação de frota de ônibus. “Não tem que ser utilizado esse dinheiro nas empresas que operam, porque mesmo que diminua a tarifa, não faz sentido nenhum. Não tem que ter subsídio para uma empresa que rompe com o contrato, que não faz pagamento do rodoviário em dia, que não cumpre a determinação que tenha o cobrador, pois muitas linhas estão sem. A gente entende que isso é, de alguma forma, romper com o contrato que está estabelecido”, afirma.
Outra preocupação da vereadora está na educação e na saúde do município, pois, nas duas áreas, a parlamentar considera o mesmo problema como principal: o modelo de contratação em RPA, que é temporário. Segundo ela, “este é um modelo de contratação que não garante nenhum respeito aos direitos trabalhistas. As pessoas ganham somente as horas trabalhadas, não ganham hora de planejamento, não recebem quando estão de atestado, férias, e nem décimo terceiro. A gente batalha muito para que os concursados aprovados no concurso que está em vigência sejam chamados”.
Na saúde, o problema é parecido. “Participamos da Conferência Municipal de Saúde, e um pedido de todos os profissionais é o concurso. Assim como na educação, muitos trabalhadores da saúde trabalham em modelo RPA, que é para ser um modelo de contratação temporária. Ou seja, alguém precisou tirar uma licença médica por um período de dois meses, aí contrata um RPA, ele vai ocupar ali dois meses. Só que a gente tem casos de profissionais que estão há anos trabalhando no município por modelo RPA”, ressalta.
“A gente vive, de fato, um momento financeiro muito delicado no município, o orçamento para esse ano é R$ 300 milhões a menos do que era do ano passado. Mas, saúde é prioridade”, completa a vereadora.
Diário de Petrópolis: De acordo com o Atlas Digital de Desastres, de 1991 até 2024, 100% dos desastres em Petrópolis foram hidrológicos. O que a vereadora considera que deva ser feito para diminuir o impacto das chuvas?
Júlia Casamasso: Defendemos muito a prevenção. Não tem como a gente trabalhar no impacto das chuvas depois que eles acontecem. Porque a gente sabe que é muito duro, as famílias perdem seus familiares, suas casas, tudo que tem. A gente tem protocolado já na Câmara Municipal, a Política Municipal de Defesa Civil, que foi construída em conjunto com a Defesa Civil. Precisa também de investimento em habitação, de moradia popular na cidade.
No final de 2023, a gente fez a Comissão Especial de Fiscalização dos Pontos de Apoio, onde fomos em todos os pontos de apoio do município, lançamos um relatório com todas as especificidades e o que era necessário. Apontamos a necessidade, por exemplo, das compras dos geradores, porque nenhum dos 67 pontos de apoio tem gerador. Então, se acabar a luz, o ponto de apoio fica também no escuro. Conseguimos uma emenda positiva em parceria com o deputado federal Glauber Braga, que, se não me engano, é no valor de 1,8 milhão de reais que já está no fundo da defesa civil do município, e vai ser utilizado para a compra dos geradores. Agora está sendo realizado um estudo dos pontos de apoio que estão em áreas de maior risco, porque, infelizmente, esse valor não vai ser o suficiente para comprar todos, então estão fazendo esse estudo para ver quais estão em prioridade para conseguir essa compra.
Para além dessas medidas, a gente tem a nossa primeira lei que foi aprovada na Câmara, que é para o auxílio psicossocial das vítimas de desastres socioambientais. Essa lei foi aprovada no início de 2023, mas, até agora, a gente não viu ela na prática. Por isso, estamos participando de um Grupo de Trabalho, no Ministério Público, para entender como que a gente pode pressionar o município para implementar essa lei.
DP: A vereadora tem protestado em suas redes sociais e em manifestações pela cidade, contra o PL 2159/2021, apelidado de PL da Devastação. Como a senhora acredita que o projeto pode ser maléfico para Petrópolis?
JC: Temos um exemplo claro, que é o que aconteceu na Comunidade do Contorno, em 2017, quando abriu uma cratera por conta da obra do túnel, abandonada pela Concer, que era concessionária da BR-040, afetando toda a Comunidade. A escola teve que ir para outra localidade, moradores ficaram sem poder acessar suas casas, e outros as perderam, de fato.
Nesse acontecimento da cratera, a gente vê muito claro que, mesmo com licenciamento ambiental, ainda assim as obras violam os direitos humanos, e a gente fica imaginando como vai ficar esse cenário diante de ausência de fiscalização do poder público. As empresas querem lucro, e não o bem-estar da população. Então, vemos com muita preocupação a aprovação desse PL e a atrocidade que isso pode se desdobrar.
DP: A dívida do município aumentou em cerca de R$ 170 milhões, do fim de 2024 para o primeiro quadrimestre deste ano. Como a vereadora vê os gastos do governo atual até o primeiro quadrimestre?
JC: Tivemos, de fato, um aumento significativo da dívida. Como eu falei, a gente tem uma dificuldade dada desde o ano passado, quando a gente debateu a lei orçamentária anual de 2025 na Câmara. O atual prefeito sabia disso. É o que eu falei, são cerca de 300 milhões a menos no orçamento para esse ano, comparado com 2024, perdemos o ICMS que, sem dúvida, foi muito ruim para o município, porque é um dinheiro que dava conta de manter as coisas funcionando. Mas o que a gente ouviu muito do atual prefeito, na época vereador, é que existia um plano B, que as coisas seriam resolvidas.
Fizemos também, se não me engano, oito emendas na LOA do ano passado, pois comtemplava R$ 13 milhões para a merenda e transporte escolar, o que, segundo o Conselho de Alimentação Escolar, não seria o suficiente, já que são necessários cerca de R$ 40 milhões, apenas para a merenda. Entretanto, as emendas foram rejeitadas, e o discurso do atual prefeito foi de que não faltaria merenda, pois iria dar um jeito.
E aí o que a gente teve foi que, às vésperas da troca da legislatura, na última sessão plenária do ano, foi aprovado o aumento de 70% para prefeito, vice-prefeito e secretariado, um impacto orçamentário de 14 milhões ao ano.
O gasto assusta, de fato. Há inúmeras questões, tanto da saúde quanto da educação, mas eu acredito que o que tem faltado, desde o dia 1º de janeiro, é maior diálogo e maior transparência. Os salários atrasados, por exemplo, poderiam simplesmente ser avisados, através de comunicado oficial, que, o pagamento não vai sair no dia, mas que está sendo feito um esforço para que saia no dia seguinte. Mas não há, e os servidores ficam desamparados.
Assumir essa prefeitura era, de fato, um desafio, mas o atual prefeito sabia dos desafios. Ele não foi às escuras, pego de surpresa.
DP: Qual a visão que a vereadora tem quanto às medidas tomadas pelo governo municipal para o enfrentamento da crise financeira?
JC: Eu acho muito problemático. Medidas precisam ser tomadas, sem dúvida alguma, mas acho que no grupo de trabalho deveria ter participação da sociedade civil e do Legislativo. Para além disso, os projetos de lei do Gabinete do Prefeito, enviados à Câmara no dia 16 de julho, foram aprovados sem emendas. Ficamos 10 horas numa sessão plenária, para que tudo fosse aprovado, e todos foram protocolados no mesmo dia.
É uma dificuldade grande ter um comitê de trabalho que foi feito, uma calamidade financeira que foi decretada, mas uma ausência total de diálogo e construção coletiva. Na minha opinião, a gente precisa ampliar esse debate. Por mais que a gente seja oposição, independente do lugar que a gente ocupa na Câmara Municipal, a nossa intenção é melhorar a cidade. Se a gente faz uma crítica, é sempre tentando apontar a solução.
DP: Como é a participação da Coletiva Feminista Popular em Petrópolis?
JC: Eu vejo participação e acolhimento da coletiva com muita felicidade e muito bons olhos, porque a gente dialoga muito com as demandas da população, são pautas que estão no dia a dia. A gente fala de pautas, levanta debates e discussões que vão ao encontro das demandas e das necessidades mais urgentes da população.
O nosso compromisso é, majoritariamente, a melhoria da qualidade de vida das petropolitanas e dos petropolitanos. Então por isso a gente debate prevenção de desastre, transporte público, direito à saúde e educação. A população é muito receptiva, gosta muito de dialogar com a gente. Entendemos o gabinete enquanto uma ferramenta na mão da população. A gente faz política dessa forma, de forma participativa e coletiva.
Resposta do Setranspetro quanto ao aumento da tarifa de forma irregular
O Setranspetro informa que as tarifas no transporte público retornarão ao patamar de R$ 5,30 no dinheiro e R$ 5,15 no cartão, a partir de quarta-feira (23). Com relação ao ressarcimento, o Setranspetro vai identificar todos os cartões que transacionaram nesta terça-feira (22), e o crédito entrará automaticamente no cartão do cliente.
Em nota, Prefeitura fala sobre o aumento da dívida em cerca de R$ 170 milhões no primeiro quadrimestre
A Prefeitura afirma que “encontrou um quadro complexo logo no primeiro dia do ano com a redução de repasse de ICMS, por causa de decisão judicial de 2024 que reduziu o IPM de Petrópolis, e acúmulo de dívidas que afetavam de forma decisiva a realização de diversos serviços, como a coleta de lixo, atendimento Hospital Santa Teresa e no CTO, não pagamento até o fim do ano passado de despesas como férias dos servidores da educação, aluguéis, contas de telefonia, água, material de consumo, dívida com Pasep, parcelamentos, merenda escolar e com fornecedores (tudo isso somado ao passivo oculto deixado pela última gestão e ao déficit enorme no Inpas)”.
Esse quadro levou o município a decretar Estado de Calamidade Financeira e a adotar uma série de medidas de contenção de despesas, tais quais suspensão de recomposição salarial de prefeito, vice e secretários, redução de valores de contratos de prestação de serviços, obras e compras, redução do consumo de combustível, suspensão de participação em congressos e seminários onerosos ao município, redução de eventos, vedação à aquisição de veículos, redução de aluguéis, inscrição de débitos deixados pela gestão anterior na dívida fundada (com parcelamento em 36 meses), revisão do pagamento de comissões e grupos de trabalho e vedação à realização de horas extras.
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