Presidente abriu debate hoje na 79ª Assembleia Geral da ONU
ANDREIA VERDÉLIO AGÊNCIA BRASIL
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, nessa terça-feira (24), que os países são interdependentes na questão da mudança climática e que o planeta está farto de acordos não cumpridos. Ao abrir o debate de chefes de Estado da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York, Lula afirmou que o Brasil não vai tolerar crimes ambientais e prometeu a fim do desmatamento ilegal até 2030.
O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global, disse, citando tragédias como furacões no Caribe, tufões na Ásia, secas e inundações na África, chuvas torrenciais na Europa, além da tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, no Brasil.
Ainda assim, Lula acredita que o multilateralismo que pressupõe igualdade soberana entre as nações é o único caminho para superar a urgência climática. Para ele, o Brasil desponta como celeiro de oportunidades neste mundo revolucionado pela transição energética, com iniciativas em energias limpas e alternativas.
É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis, afirmou.
Lula lembrou ainda que a Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos e que os incêndios florestais que alastraram pelo país já devoraram 5 milhões de hectares, apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania, disse.
Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado. Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030, prometeu.
Para o presidente é preciso pensar em soluções para as florestas tropicais ouvindo os povos indígenas e comunidades tradicionais, explorando o potencial da bioeconomia. O Brasil sediará a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP 30, em 2025, e, segundo Lula, ainda este ano o governo apresentará os compromissos do país nesse tema.
O discurso de Lula na ONU reflete os temas prioritários do Brasil no G20: o combate às desigualdades e à fome, o enfrentamento às mudanças climáticas e a reforma das instituições de governança global. Até novembro deste ano, o país está na presidência do bloco que reúne 19 países e duas entidades regionais União Europeia e União Africana.
Pobreza
Lula voltou a defender que a dívida externa dos países mais pobres precisa ser equacionada e que instituições de financiamento como o Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) precisam de uma representação mais adequada dos países em desenvolvimento. A presidência brasileira no G20 tem insistido na cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global, como a taxação dos super-ricos.
As condições para acesso a recursos financeiros seguem proibitivas para a maioria dos países de renda média e baixa. O fardo da dívida limita o espaço fiscal para investir em saúde e educação, reduzir as desigualdades e enfrentar a mudança do clima. Países da África tomam empréstimo a taxas até 8 vezes maiores do que a Alemanha e 4 vezes maior que os Estados Unidos. É um Plano Marshall às avessas, em que os mais pobres financiam os mais ricos, disse Lula, citando o plano de ajuda econômica dos Estados Unidos para a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial.
Enquanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ficam para trás, as 150 maiores empresas do mundo obtiveram, juntas, lucro de 1,8 trilhão de dólares nos últimos dois anos. A fortuna dos cinco principais bilionários mais que dobrou desde o início desta década, ao passo que 60% da humanidade ficou mais pobre. Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora, acrescentou.
Para o presidente, os dados sobre o estado da insegurança alimentar no mundo são estarrecedores, com 9% da população mundial (733 milhões de pessoas) em subnutrição e o aumento da fome. Pandemias, conflitos armados, eventos climáticos e subsídios agrícolas dos países ricos ampliam o alcance desse flagelo, disse.
Ele reafirmou que o combate à fome é uma escolha política dos governantes e que é preciso criar condições de acesso aos alimentos. No G20, o Brasil também propõe uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que será lançada oficialmente na cúpula de líderes, no Rio de Janeiro, em novembro, mas que já está aberta a adesão de todos os países.
O presidente brasileiro também pediu um olhar especial para a América Latina, onde, segundo ele, a combinação de baixo crescimento econômico e altos níveis de desigualdade resulta em efeitos nefastos sobre a paisagem política. Tragada por disputas, muitas vezes alheias à região, nossa vocação de cooperação e entendimento se fragiliza, disse.
Ainda nesta terça-feira, Lula coordena o evento "Em defesa da democracia, combatendo os extremismos, em conjunto com o presidente espanhol Pedro Sanchez. A iniciativa busca o fortalecimento das instituições no combate à desigualdade, à desinformação e ao radicalismo.
A democracia precisa responder às legítimas aspirações dos que não aceitam mais a fome, a desigualdade, o desemprego e a violência. No mundo globalizado não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas. Tampouco há esperança no recurso a experiências ultraliberais que apenas agravam as dificuldades de um continente depauperado, lamentou.
O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei. A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital, acrescentou.
Nesse sentido, Lula propõe uma governança global para inteligência artificial, para que seus benefícios sejam compartilhados e fortaleçam a diversidade cultural.
Vivenciamos a consolidação de assimetrias que levam a um verdadeiro oligopólio do saber. Avança a concentração sem precedentes nas mãos de um pequeno número de pessoas e de empresas, sediadas em um número ainda menor de países. Interessa-nos uma inteligência artificial emancipadora [...], que respeite os direitos humanos, proteja dados pessoais e promova a integridade da informação. E, sobretudo, que seja ferramenta para a paz, não para a guerra, disse.
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