Lenilson Ferreira - Psicanalista
Mães cujos filhos morreram se reúnem toda semana em Petrópolis para se apoiarem na difícil e dolorosa tarefa de viver um dia de cada vez após a dolorosa perda.
O Grupo Mães da Esperança, que se descreve como um Grupo de Apoio ao Luto Parental, nasceu em 2018 criado por mulheres que se conheciam e tinham a morte de seus filhos como um traço em comum. “Nós trocamos nossas dores e nos apoiamos. Quando nos encontramos, é sempre uma festa”, afirma Andréa Kreischer, 58, uma das fundadoras do grupo.
“O Grupo Mães da Esperança foi criado a partir da união de algumas mães que passaram pela dor mais complicada, a de ter que lidar com a partida definitiva”, segundo a página do grupo no Facebook.
O primeiro encontro do grupo foi realizado na casa de uma das mães. Quando o grupo cresceu, passaram a se reunir no Instituto Municipal de Cultura, mas a sala entrou em obras e, desde então, a cada semana buscam um local para se unirem “quando o tempo está bom”.
Andréa, que afirma que muitas mães têm resistência em falar dos filhos que se foram, viveu a dor da morte de um bebê em 2002 e, 15 anos depois, de uma filha de 25 anos em circunstâncias misteriosas nos Emirados Árabes Unidos, uma morte que foi noticiada na imprensa de todo o Brasil. “A morte de Natasha gerou uma comoção nacional” diz a mãe.
Completamente devastada com a perda da filha Natasha, ela viu uma amiga sofrer a mesma dor quando sua filha morreu em um acidente de elevador. “Estávamos arrasadas e, fazendo tudo intuitivamente, tivemos nossa primeira reunião na casa de uma amiga”.
As amigas de Natasha até hoje acreditam que sua morte foi mais um caso de feminicídio. “A polícia disse que encontraram o corpo dela embaixo de uma palmeira. Devolveram o celular vazio, o notebook quebrado e retiveram o diário dela. Nunca o consegui de volta”.
Ouvir uma mãe falar sobre a morte de dois filhos é uma experiência dolorosamente marcante. Imagine, então, três mães falando simultaneamente sobre filhos que não estão mais entre nós. Assim foi a entrevista virtual que deu origem ao texto da coluna desta semana.
Pergunto a Andréa como ela consegue falar sobre tantas perdas em sua vida com um sorriso no rosto. A resposta vem rápido como uma flecha. “Isto é muito treino. Eu preciso segurar a onda dentro do grupo. Acaba funcionando como um treinamento. Mesmo sangrando por dentro, a gente dá um jeito de dar um novo sentido à vida”.
Segundo Andréa, todas as mães no grupo têm algum tipo de doença de fundo emocional. Casos de depressão são os mais comuns, mas também há casos de fibromialgia, transtorno de ansiedade e até mesmo câncer causado pelos stress extremo.
Lúcia Stefano, uma geógrafa de 63 anos, até hoje chora ao falar do suicídio de seu filho Daniel um dia antes de completar 17 anos. “O meu filho tirou a própria vida. Não tinha diagnóstico de depressão e não se queixava de nada”.
No dia do suicídio do filho, Lúcia, a pedido dele, saiu para comprar um livro que ele precisava para a faculdade. Ao chegar em casa, encontrou-o morto. “Até hoje eu não sei por que meu filho se matou”, afirma Lúcia, que usa a expressão “entregar o filho” ao se referir à sua morte. A ideia é que as mães recebem seus filhos para cuidar deles e, com sua morte, elas os entregam a Deus.
A morte de um filho costuma alterar toda a organização da família. É comum que as mães não consigam lidar com a maternidade dos outros filhos que ficaram. Maridos ficam em segundo plano e, por causa disso, muitos casamentos são desfeitos. A vida profissional pode não resistir à depressão que se segue à perda. “Eu fui demitida um ano depois da morte de minha filha porque eu só chorava,” diz Andrea.
Elisabete Saldanha, uma massoterapeuta de 62, é outra mãe que está no grupo desde os primeiros momentos. Seu filho Caio faleceu aos 25 anos em um acidente de moto em 2019. Ela encontrou na terapia um valioso suporte para enfrentar o luto. “A terapia me ajudou imensamente”. Ela entende que, no grupo, as mães se sustentam umas nas outras. “Nós nos reunimos, colorimos livros, conversamos, choramos e oramos. A gente entende que não está sozinha e se fortalece uma com a outra”.
Após ter entregado seu filho, Elisabete afirma que ficou “mais quieta” e trancada em casa. Faz uso de medicação antidepressiva e se exercita “por obrigação” em uma academia regularmente. “Eu me tornei espírita, creio que meu filho está vivo no mundo espiritual e que um dia a gente vai se encontrar”.
Andréa luta pela criação em Petrópolis de um Centro de Terapia Familiar por entender que, no luto, toda a família precisa receber tratamento profissional. Ela não teve um profissional da saúde mental para lhe ajudar nos momentos mais difíceis e costuma fazer pesquisas para poder ajudar as mães do grupo. Andrea também entende que as mães que estão de luto deveriam passar por uma avaliação profissional para considerar a hipótese de aposentadoria. “Tem mãe que perdeu seu filho há trinta anos e chora até hoje”.
Para participar do grupo, entre em contato através do Facebook @maesdaesperanca e uma das cinco administradoras fará o primeiro acolhimento. “Procuramos comemorar em nossos encontros e chorar nas mensagens que trocamos”, diz Andréa sem esconder o entusiasmo com o trabalho que essas mulheres fortes e destemidas têm feito há anos, apoiando-se mutuamente para que todas levem suas vidas adiante depois de ter entregado seus filhos a Deus.
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