Edição: sábado, 20 de dezembro de 2025

Minha lembrança do Natal em Petrópolis

- Mario Donato D’Angelo

 Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal


Semana que vem é Natal. Talvez por isso, neste sábado, a memória resolveu passear, sem pressa, pelas ruas de Petrópolis da minha infância, cidade que cunhou o meu modo de lembrar o Natal. É um passeio silencioso, feito mais de emoções do que de datas, mais de imagens do que de calendários. E, como quase sempre acontece, ela me levou de volta a um tempo em que o Natal  demorava a acabar.

A cidade ganhava luz quando o inverno já tinha ido embora e o verão ainda ensaiava chegar. As famílias que vinham passar o verão subiam a serra depois do Natal, mas, as casas iam sendo abertas, janelas acesas, cortinas afastadas, começavam a ser preparadas. A cidade respirava esse movimento discreto, quase cerimonioso.

As vitrines eram um capítulo à parte. Eu caminhava pelas ruas como quem percorre um livro aberto. Cada loja oferecia um pedaço de imaginação. Mas havia uma  que concentrava todo o meu interesse e, confesso, boa parte da minha devoção infantil: a da Casa Gelli.

A Casa Gelli tinha um trem elétrico.

Não era um trem pequeno, desses que se olha rápido e se vai embora. Era um sistema completo. Trilhos que cruzavam a vitrine inteira. Túneis, curvas, subidas, descidas. O trem desaparecia por um instante e ressurgia logo depois, como se tivesse viajado muito longe. Para mim, tinha viajado. Cada volta era uma história. Eu ficava ali, parado, mãos coladas ao vidro, esquecendo o resto do mundo.

O trem não corria. Ele cumpria um destino.

Aquilo me causava uma espécie de vertigem. Um objeto que se movia sozinho, obediente, regular, silencioso. Um milagre doméstico. Eu olhava e pensava em estações invisíveis, em cidades imaginadas, em passageiros que não apareciam, mas estavam lá. Era um trem que não levava ninguém e, ainda assim, me levava.

Pedi à minha avó.

Pedi como se pede o impossível com naturalidade, porque a infância acredita que o impossível é possível. Apenas precisa ser encomendado.

Vovó, eu quero aquele trem! Não um parecido. Aquele. Com os túneis e os trilhos.

Minha avó me olhou com paciência e um leve sorriso cansado. Disse apenas:

Meu filho, como é que nós vamos colocar um trem desses no hotel? E os hóspedes?

Era uma pergunta prática, dessas que desmontam sonhos sem agressividade. O hotel não tinha espaço para trilhos cruzarem o salão. Não tinha túneis. Não tinha vitrines. Tinha hóspedes, corredores, horários. O trem da Casa Gelli não cabia ali.

Mas eu continuei alucinado.

Naquela época, os brinquedos eram simples. Não havia promessas de mundos virtuais nem botões demais. Havia corda. Dava-se corda no brinquedo e ele cumpria sua função com dignidade. Um boneco andava até cair. Um carrinho seguia em linha reta até bater na parede. O encanto estava na limitação. O brinquedo não fingia ser mais do que era.

O trem elétrico era o auge dessa sofisticação possível. Ele não falava, não piscava, não ensinava nada. Apenas passava. E passava e de novo. E às vezes, somente às vezes, ele apitava.

O Natal tinha esse tom. Nada exagerado. Uma luz aqui, outra ali. As casas iluminadas aguardando o verão. Os adultos conversando sobre viagens, reformas, o calor que viria. As crianças paradas diante das vitrines, negociando silenciosamente seus desejos.

Depois do dia 25, o Natal se dissolvia. Não acabava. Apenas se deslocava. Dava lugar às malas, às chegadas, aos veranistas. As luzes continuavam acesas por um tempo, como se a cidade demorasse a aceitar que a festa já tinha passado.

Nunca tive o trem da Casa Gelli. Tive outros brinquedos, todos de corda. E tive algo melhor: a vitrine. A espera. O exercício de imaginar.

Hoje penso que aquele trem não era só um brinquedo. Era uma lição. Passava em círculos, obediente, sem pressa. Não prometia chegar a lugar nenhum. E, ainda assim, chegava. Como certas lembranças de Natal que continuam passando dentro da gente, discretas, iluminadas, sem jamais precisar parar.

E que, às vezes, também apitam

Edição: sábado, 20 de dezembro de 2025

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