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O Fim da Medicina

Mauro Peralta - médico e ex-vereador

Foto: Freepik
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Quando terminei o curso de Medicina, em 1976, o Brasil contava com apenas 57 faculdades de medicina, formando cerca de 5.700 médicos anualmente. O vestibular era extremamente competitivo, e somente os mais dedicados e estudiosos conseguiam passar. Muitos passavam dois, três, até quatro anos tentando realizar o sonho de se tornar médico. Ao ingressar na faculdade, o futuro médico começava a aprender a escutar não apenas o coração e os pulmões, mas, acima de tudo, o paciente. Aprendia a examinar com a palpação do abdômen, fígado, baço, observando a pele, as mucosas, o andar, a fala, e até sentindo a alma do doente. O médico, antes de tudo, era um amigo e confidente. Havia uma grande empatia, uma conexão profunda com o paciente. Médicos eram convidados para batizados, casamentos e, até mesmo, para a política. A clínica médica sempre foi soberana, com a inteligência e o conhecimento prevalecendo.

Hoje, 49 anos depois, tudo mudou para pior. Enquanto presidente da República, a dona Dilma Rousseff abriu as porteiras dos cursos de Medicina, permitindo a criação de faculdades sem a qualidade necessária, muitas sem professores capacitados, sem hospitais adequados e sem infraestrutura mínima. Hoje, temos 389 faculdades despejando médicos no mercado, muitos despreparados. A formação de cerca de 45.000 médicos por ano é um reflexo dessa mudança. O únicos que ganharam com isso foram as seguradoras, que lucram com a prevenção de erros médicos; os advogados de porta de hospital, que prosperam com processos judiciais contra médicos; os donos de faculdades, que ficaram milionários com mensalidades que começam em 10 mil reais por mês; os laboratórios, que ganham com os exames desnecessários; e os políticos, que, além de permitirem a abertura dessas faculdades, criam UPAs eleitoreiras, culpam os médicos pelas mazelas da saúde pública e ainda permitem o programa Mais Médicos, possibilitando que médicos formados em outros países atuem no Brasil sem precisar passar pelo exame de revalidação, o Revalida. Hoje, muitos não têm registro no CRM e atuam com o carimbo do Ministério da Saúde (RMS).

O enorme aumento no número de médicos não melhorou a saúde da população. Ao contrário, a distribuição de médicos permanece inadequada: há menos médicos por habitantes no Norte e Nordeste, e mais no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A saúde pública está cada vez mais precária, com falta de medicamentos, infraestrutura deficiente e longas filas para exames e cirurgias. Os planos de saúde, por sua vez, se tornaram cada vez mais caros e inacessíveis à grande maioria da população, que é empurrada para o SUS, que tem sérias dificuldades em atender a todos de forma adequada. Deixamos de ser chamados pelo nome para sermos um mero número na fila de espera.

Hoje, qualquer pessoa que tenha 10 mil reais por mês consegue uma vaga em uma faculdade de medicina. Não é mais necessário ser um aluno brilhante e estudioso como antigamente. De 1990 a 2024, o número de médicos no Brasil cresceu cinco vezes mais rápido do que a população. Em breve, o Brasil será o país com o maior número de médicos do mundo, ao lado da Índia, que é o país mais populoso do planeta com quase 1,5 bilhão de habitantes. Porém, esse aumento no número de médicos não fez com que o atendimento melhorasse. Com a oferta de médicos subindo mais rápido do que a demanda, os salários despencaram. Hoje, um médico recém-formado já tem dificuldades para ganhar cerca de 10 mil reais mensais, valor que antes era comum. Em breve, muitos médicos terão dificuldades para conseguir emprego, a menos que aceitem salários que nunca cobrirão o investimento que fizeram na faculdade.

O custo para se tornar médico é altíssimo. Com mensalidades de 10 mil reais por mês, um estudante gasta 120 mil reais por ano, ou 720 mil reais em seis anos. Se esse dinheiro fosse investido em renda fixa, ele se transformaria em mais de 1 milhão de reais, o que garantiria uma renda passiva de 10 mil reais por mês sem trabalhar. E isso sem considerar que, se todos os médicos formados na última década tivessem comprado o valor da mensalidade em Bitcoin durante esses seis anos, estariam milionários, com muitos podendo receber centenas de milhares de reais de renda passiva por mês.

A judicialização da medicina, a medicina defensiva e o aumento de exames desnecessários, que visam evitar processos, têm contribuído para o enfraquecimento da prática médica. A precarização do ensino médico, onde qualquer pessoa que tenha os recursos para pagar a mensalidade de uma faculdade pode se formar, em detrimento da vocação e do estudo contínuo, está destruindo a verdadeira essência da ciência de Hipócrates, que é o cuidado genuíno com o ser humano. O futuro da medicina nos reserva uma fila no SUS, sem nome e sem dignidade. Resta-nos apenas rezar, pois ainda é gratuito e não tributado.

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