Mário Donato D’Angelo - médico
De tempos em tempos, os jornais estampam a foto de um garoto de sandálias gastas e olhos brilhantes. Ele saiu de uma cidade esquecida do mapa, estudou à luz de velas, venceu olimpíadas escolares e agora está indo para Harvard, Oxford ou Melbourne com uma bolsa conquistada à força de suor, talento e fé.
A legenda costuma ser algo como: “Com muita garra, menino da periferia realiza sonho e mostra a força do Brasil.”
Não, meu caro. Ele mostra a força dele. Só dele.
O Brasil não tem nada a ver com isso, a não ser como obstáculo. O país que aparece na história desse garoto é o mesmo que faltou com merenda, com professor, com esgoto, com biblioteca, com ônibus. O mesmo que deu tudo errado, e por isso a história do acerto vira manchete.
Mas aí a gente se emociona. Compartilha. Escreve “orgulho do Brasil” nos comentários.
É comovente, sim. É bonito. Mas é também trágico. Porque quando um único menino vira símbolo nacional de excelência, é porque a média é o fracasso.
Não deveríamos esperar um garoto brilhante da Paraíba a cada cinco anos. Deveríamos formar mil por ano, em cada estado. Não um milagre estatístico mas um projeto coletivo.
Só que o milagre, ah, o milagre emociona. O milagre alivia. O milagre nos permite continuar sem mudar nada. A gente diz: “Tá vendo? É possível!” como quem se livra da culpa. Como quem ignora que um país não se constrói com exceções, mas com sistema.
E o Brasil é mestre em premiar a exceção e esquecer o resto.
O gênio solitário nos comove porque carrega sozinho o peso do que deveria ser tarefa de um Estado. E a gente aplaude de pé como se isso bastasse. Mas um país que depende de heróis individuais está sempre à beira do abismo e de tanto se emocionar com as exceções, acaba anestesiado diante da regra.
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