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terça-feira, 05 de agosto de 2025


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O Homem que não Queria ver a Realidade

Lenilson Ferreira - Psicanalista

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

Marcelo iniciou sua terapia afirmando que tinha dificuldades em conviver com as pessoas da empresa em que trabalhava. Logo no início da terapia, descobrimos que, na realidade, a origem dessas dores emocionais estava em não conseguir ver a realidade sob um outro ponto de vista.

“Eu não deixo passar nada. Comigo é assim. Olho por olho e dente por dente”, insistia em dizer Marcelo em praticamente todas as sessões de terapia.

Imagine como deve ser lidar com alguém com este nível de rigidez, alguém que se incomoda profundamente com as pequenas incorreções que surgem na vida o tempo todo.

Recomendei que tivesse uma consulta com um Psiquiatra porque observei nítidos sinais de ansiedade. A experiência se mostrou trágica para ele quando ouviu do médico a expressão Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG).

Seu relacionamento com a última namorada havia acabado subitamente e ele não assumia nenhuma responsabilidade sobre este fato. “Ninguém me entende e eu tenho a sensação de que está todo mundo contra mim”, ele disse, sem prestar atenção em si mesmo quando disse que todos seus relacionamentos terminavam do mesmo jeito.

Em seus 40 anos de vida, jamais havia trabalhado em uma mesma empresa por mais de dois anos, mesmo estando no mercado de trabalho há 20 anos quando entrou em seu primeiro emprego.

“Eu sempre encontrei chefes que me perseguiram a vida toda. Nunca tive sorte e continuo a não ter sorte até hoje”. Perguntei se conseguia conversar com seus chefes sobre as dificuldades que encontrava para executar as tarefas nas empresas em que havia trabalhado. “Conversar pra quê se ninguém me entende?”, foi a resposta que ouvi.

Todas as vezes em que ele descrevia uma situação na qual, em sua opinião, ele havia sido prejudicado por alguém, Marcelo não admitia outra explicação que não fosse inveja, perseguição vinda das pessoas à sua volta.

Um dia eu lhe perguntei porque ele não havia concluído nenhum dos cinco cursos de nível superior que ele havia começado. Sua resposta parecia estar na ponta da língua: nenhum curso era bom o suficiente para ele. Ele ainda não havia se encontrado. Não havia chegado sequer à metade de nenhum dos cursos...

As atitudes de Marcelo demonstraram inequivocamente como ele havia desenvolvido a habilidade de auto sabotar-se recusando-se a ver sua vida de um ângulo que não fosse de uma pessoa perseguida, de uma pessoa sem sorte. Enfim, de uma eterna vítima.

A tendência a auto sabotar-se tem suas origens em razões inconscientes. Por causa disto, a Psicanálise é o caminho recomendável para entendermos essas origens e podermos construir possibilidades para que a pessoa consiga adotar novas maneiras de lidar com seus desafios.

É interessante ver a origem da palavra sabotagem. Ela vem do francês sabot que significa tamanco ou sapato de madeira. No final do século XIX, trabalhadores utilizavam seus tamancos para danificar máquinas em protesto contra suas condições de trabalho. Com o tempo, sabotagem passou a significar uma ação intencional para destruir ou danificar alguma coisa. Em Saúde Mental, a expressão tornou-se símbolo de alguém que causa danos a si mesmo por razões inconscientes.

A primeira vez que Marcelo ouviu o termo auto sabotagem em uma sessão de terapia, ele reagiu agressivamente. Com o tempo e muitas lágrimas depois, ele se permitiu analisar sua história de uma outra forma que não aquela única a que estava acostumado: aquele que sempre esteve no papel de vítima.

Ele hoje começa a dar os primeiros passos para ver a realidade de um outro ponto de vista que não seja aquele criado pelo vitimismo. Há muito resistência, mas ele vem se distanciando da forte arrogância que nunca permitiu que ele evoluísse.

Quando descobriu de onde vem a palavra vítima, Marcelo demonstrou claramente estar chocado. A palavra tem origem latina e significava o animal sacrificado em rituais e cerimônias como oferenda aos deuses. Entender isto ajudou-o a perceber com ele durante toda a sua vida havia se acostumado a ver as pessoas como muito mais fortes do que ele. Portanto, cabia-lhe apenas o papel de vítima. O medo tornou-se um inimigo implacável...

Ao transformar a forma como via sua realidade, ele mudou esta própria realidade. Entendeu que a realidade tende a ser aquilo que pensamos que ela é e que conhecer-se é o caminho para que possamos ter uma compreensão do mundo que fortaleça nossa saúde emocional e que nos permita evitar sofrimentos e dores que são criados por nós mesmos.

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