Fernando Peregrino - Assessor Especial da FINEP e vice-presidente do Clube de Engenharia
Proposta pelo governo anterior, a Lei nº 14.286/2021, de 2021, aumenta a desigualdade do Brasil ( assimetria tecnológica) , em relação aos países centrais.
Sob o pretexto de modernização e alinhamento internacional, a lei que estabeleceu e redefiniu o novo marco temporal do câmbio, em 2021, representa, na prática, um passo em direção ao aprofundamento de nossa dependência estrutural.
Trata-se de uma reforma feita sob medida para os interesses do sistema financeiro e das corporações multinacionais, que podem transitar com mais liberdade por um país sem essas defesas tecnológicas em relação ao cambio.
A nova lei do marco legal do câmbio liberou a remessa para despesas relacionadas a royalties, assistência técnica, licenciamento de softwares, know-how e serviços vinculados à tecnologia. Antes, era limitada de 1% a 5% da receita liquida (Portaria 436/58).
Quando se trata de despesa paga por filial à matriz no exterior, há um duplo impacto contra o país.
O da redução do lucro tributável, pois tais despesas são dedutíveis dele, e a saída de divisas em moeda forte.
Ou seja, remessa de lucros disfarçada de royalties.
Esse tipo de flexibilização, quando ocorre em países com uma base tecnológica consolidada e políticas industriais ativas, pode até fazer sentido.
Mas no Brasil que está em 50° lugar no Índice Global de Inovação e em baixa transformação do conhecimento científico em produtos e serviços , ela significa abrir as portas da soberania para que o capital estrangeiro leve embora o que temos de mais valioso: O conhecimento. Afinal somos a 14ª nação em produção científica no mundo.
Embora a Nova Industria Brasil almeje um desenvolvimento autônomo, ainda estamos pagando o preço de políticas liberais do governo anterior ao atual.
Trata-se de uma assimetria brutal.
Enquanto os países centrais como Estados Unidos, China, Alemanha ou Coreia mantêm barreiras estratégicas para proteger setores tecnológicos sensíveis, o Brasil segue desregulando, liberalizando e terceirizando sua política cambial, afetando, dramaticamente, o conhecido déficit comercial.
A nova legislação cambial, em vigor desde dezembro de 2022, escancara a economia brasileira a remessas bilionárias sem exigir qualquer contrapartida de conteúdo local, transferência de tecnologia ou investimento produtivo em território nacional.
Na prática, nossas startups deeptech aquelas que nascem de pesquisa científica intensiva correm o risco de se tornarem trampolins para conglomerados estrangeiros.
Após se associarem a grandes grupos globais, muitas vezes por necessidade de capital, veem seu conhecimento patenteado fora do país, sua operação vendida via fusões e aquisições (M&A), e seus lucros remetidos disfarçados como royalties para as matrizes.
A nova lei não apenas permite, como naturaliza esse processo.
Tudo isso ocorre enquanto a balança de pagamentos em tecnologia do Brasil é cada vez mais negativa. O que poderia ser aquisição de tecnologia necessária.
Mas, dados do Banco Central apontam que as despesas com royalties, licenças e serviços técnicos vêm crescendo de forma acelerada, nos últimos anos, sem que haja um movimento equivalente de receitas.
O déficit tecnológico brasileiro só cresce, e a Lei 14.286, de 2021, já está contribuindo para ampliá-lo.
A remessa, por pagamento de royalties, pulou de US$ 8 bilhões, em 2020, para US$ 10 bilhões, em 2024, indicando dependência persistente.
O Brasil, que almeja industrializar-se com base em ciência, tecnologia e sustentabilidade como propõe a Nova Indústria Brasil necessita condicionar remessas a investimentos reais, proteger empresas inovadoras em áreas estratégicas, como as startups deep techs e criar exigências regulatórias como fazem os países que não abriram mão da soberania.
É imperioso quebrar o círculo vicioso de um pais periférico, exportador de commodities e importador de conhecimento.
Um país, onde inovação não pode ser sinônimo de dependência bem remunerada como propõe a Lei 14.286/21.
Essa nova lei cambial não é apenas um erro técnico é uma rendição política disfarçada de reforma que foi herdada de um governo sabidamente submisso ao capital financeiro e inimigo de uma indústria tecnológica e de seu ecossistema.
Dai, a necessidade de uma politica nacional de apoio às startups deep tech, não apenas com financiamento, mas com salvaguardas para defende-las de aquisições predatórias ao País.
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