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O maestro invisível e a centelha escondida

- Mario Donato D’Angelo

Arquivo Pessoal
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Há dias em que me pego pensando na quantidade de coisas invisíveis que sustentam nossa vida. Não falo das estrelas distantes nem dos anjos da guarda, mas de algo ainda mais humilde: uma molécula de vitamina B1. É um elemento tão pequeno que caberia na dobra de um pensamento. E, no entanto, sem ela, o corpo fraqueja como motor que tenta ligar sem faísca.

A vitamina B1, também chamada tiamina, é dessas figuras discretas, como o vizinho que nunca aparece nas festas do prédio, mas é ele quem conserta a bomba d’água quando ela quebra. Graças a ela, o pão nosso de cada dia vira energia, o arroz se transforma em passo, o feijão em memória. Sem B1, o corpo vai esquecendo como se move, a mente se atrapalha, a vida perde o ritmo. Não é dramático? É quase poético pensar que a saúde depende de uma centelha invisível.

Penso que as virtudes humanas se parecem com as vitaminas: ninguém ergue estátua para a paciência, mas sem ela o mundo acabaria em dois dias. Ninguém aplaude a tiamina, mas sem ela a orquestra desanda. A segurança dessa vitamina é tamanha que se pode tomá-la sem medo, e ela não cobra aplauso nem agradecimento. Vive no anonimato.

E então chega o magnésio. Ah, o magnésio! Esse já é mais espalhafatoso. Dizem os médicos que participa de mais de trezentas reações químicas no organismo. É como se fosse maestro de um concerto de trezentos instrumentos tocando ao mesmo tempo: coração, músculos, ossos, glicose, até o humor. Talvez por isso haja tanta gente mal-humorada por aí; vai ver é carência de magnésio, e não de poesia.

O curioso é que não existe “o” magnésio, mas muitos. O citrato, que ajuda o intestino a se lembrar do seu ofício; o glicinato, mais íntimo dos músculos; o treonato, que anda flertando com a memória e o pensamento. Cada um com sua personalidade, como irmãos que se parecem e não se parecem. E nós, pobres mortais, ficamos sem saber qual convidar para o jantar. É aí que entra o médico, como maître que organiza a mesa e evita que a orquestra desafine.

Mas veja: tanto a B1 quanto o magnésio não nasceram em farmácias de neon. Estão em coisas antigas, quase prosaicas: cereais, feijões, sementes, folhas verdes. O arroz integral que sua avó fazia, a castanha quebrada no quintal, o feijão de panela de domingo. A modernidade, com toda a pressa e plástico, quis trocar esse banquete de simplicidade por pacotinhos coloridos de ultraprocessados. Depois nos resta correr atrás de cápsulas para compensar o que a pressa nos roubou.

E não é isso a vida? Um eterno jogo entre o que é simples e o que é complicado. Entre o invisível que sustenta e o visível que ofusca. O atleta, cheio de músculos, pode cair de câimbra no campo porque lhe faltou magnésio. O estudante, cercado de livros, pode perder a concentração porque lhe faltou B1. O invisível governa o visível.

Eu penso que essas pequenas substâncias nos ensinam filosofia. A tiamina me lembra a humildade: silenciosa, mas vital. O magnésio me lembra a música: está em todo lugar, regendo harmonias. E assim como na vida, nem sempre precisamos de muito. Basta o suficiente, basta o equilíbrio.

Claro, este não é um convite à automedicação. Cada organismo é um universo, e só quem o conhece de perto, médico, nutricionista, pode dizer se está na hora de convidar um comprimido para a festa. Às vezes, basta mesmo um prato de arroz, feijão e couve. Outras vezes, é preciso uma ajuda extra.

Mas o que me encanta é pensar que a saúde é feita de silêncios bem afinados. Não é o grito que mantém o coração batendo, mas uma discreta reação química, orquestrada por uma molécula que ninguém vê. É no invisível que mora o que nos sustenta.

Então, amanhã, quando você acordar com disposição para atravessar a rua, rir do cachorro do vizinho ou subir a escada sem bufar, agradeça, se quiser, à vitamina B1 e ao magnésio. A centelha e o maestro. O discreto e o exuberante. O que não aparece, mas mantém tudo de pé.

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