Mario Donato D’Angelo
Minha alma está ancorada em Petrópolis, onde repousam as memórias mais vívidas da minha infância. Foi naquele cenário que corri pelos corredores do Hotel Dom Pedro, aprendendo a enxergar o mundo através dos olhos dos hóspedes, da minha família e dos amigos de rua.
Petrópolis não era apenas uma cidade; era um vibrante palco de emoções e histórias. Suas ruas eram molduradas por casarões e fábricas têxteis, e o cotidiano pulsava ao som das sirenes e apitos, que ditavam o ritmo da vida local. No primeiro toque, as máquinas ganhavam vida; no último, um exército de bicicletas cruzava as ruas, levando operários de volta para casa.
Como toda cidade que abriga uma alma coletiva, Petrópolis também tinha seus personagens. Dentre eles, destacava-se o Presidente.
Ele não possuía gabinete, ministros ou gravatas de seda. Era um homem simples, conhecido por todos, cuja excentricidade o elevava à “presidência”.
Aos domingos, ele se vestia com esmero e dirigia-se à Praça Dom Pedro, um jornal sob o braço. Subia em um banco da praça com a solenidade de quem se apresenta ao púlpito e ali proferia seus discursos.
Uma plateia improvisada se formava ao seu redor: famílias com crianças, casais que riam por trás das mãos e idosos que balançavam a cabeça, como se dissessem: “Deixe o Presidente falar”.
Pois bem, cidadãos! Iniciava ele, com uma voz que ecoava até os canteiros de flores.
Já que vocês pediram, tomarei providências!
Assim, ele discorria sobre temas relevantes e triviais com a mesma seriedade, enquanto o povo o escutava, rindo e admirando ao mesmo tempo. Seria ele um louco? Talvez um delirante fascinante, uma lembrança de que a imaginação é o último refúgio da sanidade.
Recordo de um domingo em particular, quando a cidade e o país debatiam intensamente a ligação entre o Rio de Janeiro e Niterói. Naquela época, a famosa Ponte Rio-Niterói ainda era uma promessa distante. Alguns propunham um túnel sob a Baía de Guanabara, enquanto outros afirmavam que o custo seria exorbitante.
Foi então que alguém da plateia provocou:
Presidente, o que o senhor pensa em fazer no seu governo? Um túnel ou uma ponte?
O presidente ajeitou o chapéu, limpou a garganta e ergueu o jornal como se fosse um documento oficial.
Pois bem, eu, como presidente, anuncio que não haverá ponte! Será um túnel!
A multidão se aproximou; alguns riram, outros cochicharam, mas ele continuou firme.
E faremos isso sem gastar um tostão! Um custo zero, meus amigos!
Por quê? Ele fez uma pausa dramática e olhou ao redor, como se estivesse prestes a revelar um segredo:
Usaremos tatus!
E prosseguiu imperturbável:
Isso mesmo, tatus! Eles cavarão espontaneamente um túnel sob a baía. E, quando vocês menos esperarem, surgiremos em Niterói com um túnel pronto e perfeito!
As palmas vieram rápidas e vigorosas. Alguns gritavam:
Boa ideia, Presidente! Muito boa ideia!
Ele recebia os aplausos com um leve aceno de cabeça, como quem já sabia que havia conquistado seu povo.
Naquela tarde, eu observava a cena com os olhos de uma criança que ainda não compreendia o peso das palavras. Hoje, percebo que o presidente não discursava apenas sobre tatus e túneis; ele falava sobre sonhos e projetos improváveis que sustentam a vida quando a realidade se torna muito dura.
Para muitos, ele era um excêntrico. Eu, na minha juventude, ouvia e registrava aqueles momentos como divertimentos de domingo.
Se quiser rir, ria; se quiser duvidar, duvide. O presidente prometeu túneis feitos de tatus e, por um breve momento, acreditamos. Não houve túnel, nem tatus, apenas o silêncio que ficou depois do riso e a certeza de que os sonhos também têm seu lugar na praça.
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