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sábado, 06 de setembro de 2025


Capa 3997

O Presidente

Mario Donato D’Angelo

Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal


Minha alma está ancorada em Petrópolis, onde repousam as memórias mais vívidas da minha infância. Foi naquele cenário que corri pelos corredores do Hotel Dom Pedro, aprendendo a enxergar o mundo através dos olhos dos hóspedes, da minha família e dos amigos de rua.

Petrópolis não era apenas uma cidade; era um vibrante palco de emoções e histórias. Suas ruas eram molduradas por casarões e fábricas têxteis, e o cotidiano pulsava ao som das sirenes e apitos, que ditavam o ritmo da vida local. No primeiro toque, as máquinas ganhavam vida; no último, um exército de bicicletas cruzava as ruas, levando operários de volta para casa.

Como toda cidade que abriga uma alma coletiva, Petrópolis também tinha seus personagens. Dentre eles, destacava-se o Presidente.

Ele não possuía gabinete, ministros ou gravatas de seda. Era um homem simples, conhecido por todos, cuja excentricidade o elevava à “presidência”.

Aos domingos, ele se vestia com esmero e dirigia-se à Praça Dom Pedro, um jornal sob o braço. Subia em um banco da praça com a solenidade de quem se apresenta ao púlpito e ali proferia seus discursos.

Uma plateia improvisada se formava ao seu redor: famílias com crianças, casais que riam por trás das mãos e idosos que balançavam a cabeça, como se dissessem: “Deixe o Presidente falar”.

Pois bem, cidadãos! Iniciava ele, com uma voz que ecoava até os canteiros de flores.

Já que vocês pediram, tomarei providências!

Assim, ele discorria sobre temas relevantes e triviais com a mesma seriedade, enquanto o povo o escutava, rindo e admirando ao mesmo tempo. Seria ele um louco? Talvez um delirante fascinante, uma lembrança de que a imaginação é o último refúgio da sanidade.

Recordo de um domingo em particular, quando a cidade e o país debatiam intensamente a ligação entre o Rio de Janeiro e Niterói. Naquela época, a famosa Ponte Rio-Niterói ainda era uma promessa distante. Alguns propunham um túnel sob a Baía de Guanabara, enquanto outros afirmavam que o custo seria exorbitante.

Foi então que alguém da plateia provocou:

Presidente, o que o senhor pensa em fazer no seu governo? Um túnel ou uma ponte?

O presidente ajeitou o chapéu, limpou a garganta e ergueu o jornal como se fosse um documento oficial.

Pois bem, eu, como presidente, anuncio que não haverá ponte! Será um túnel!

A multidão se aproximou; alguns riram, outros cochicharam, mas ele continuou firme.

E faremos isso sem gastar um tostão! Um custo zero, meus amigos!

Por quê? Ele fez uma pausa dramática e olhou ao redor, como se estivesse prestes a revelar um segredo:

Usaremos tatus!

E prosseguiu imperturbável:

Isso mesmo, tatus! Eles cavarão espontaneamente um túnel sob a baía. E, quando vocês menos esperarem, surgiremos em Niterói com um túnel pronto e perfeito!

As palmas vieram rápidas e vigorosas. Alguns gritavam:

Boa ideia, Presidente! Muito boa ideia!

Ele recebia os aplausos com um leve aceno de cabeça, como quem já sabia que havia conquistado seu povo.

Naquela tarde, eu observava a cena com os olhos de uma criança que ainda não compreendia o peso das palavras. Hoje, percebo que o presidente não discursava apenas sobre tatus e túneis; ele falava sobre sonhos e projetos improváveis que sustentam a vida quando a realidade se torna muito dura.

Para muitos, ele era um excêntrico. Eu, na minha juventude, ouvia e registrava aqueles momentos como divertimentos de domingo.

Se quiser rir, ria; se quiser duvidar, duvide. O presidente prometeu túneis feitos de tatus e, por um breve momento, acreditamos. Não houve túnel, nem tatus, apenas o silêncio que ficou depois do riso e a certeza de que os sonhos também têm seu lugar na praça.

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