*Mario Donato D’Angelo médico e pesquisador
Antigamente, em Petrópolis, o guarda noturno não era apenas um homem a serviço da ordem. Era quase um personagem de romance, desses que atravessam a noite não com armas, mas com o poder mudo da confiança.
Com seu uniforme simples, carregava apenas um apito de metal e uma autoridade tão silenciosa que se não fosse pelo apito seria impossível percebe-lo. Não tinha colete à prova de balas, nem aplicativo para acionar reforços. Seu escudo, era simplesmente o respeito.
Quando soprava o apito, não era para assustar, era para dizer: “Estou aqui”. Era o som do mundo funcionando, num pacto invisível. Um som que cortava a madrugada como quem ajeita o lençol do filho antes de dormir. Não era alerta, era afeto. Caminhava pelas ruas silenciosas onde só os cães notívagos, os poetas insones, e os amores proibidos resistiam ao sono.
E o mais incrível: os ladrões, sim, também existiam, mas respeitavam o guarda. Não porque temiam a força, mas porque sabiam que havia um limite, não por medo, mas por algo que hoje parece pertencer ao reino das fábulas: o respeito. E quem cruzava esse limite não era só delinquente, era desonrado. Um mundo em que a vergonha ainda pesava mais que a multa.
O guarda não precisava correr, gritar, mostrar crachá. Bastava caminhar. Com olhos atentos e passos pacientes, vigiava não só as portas e janelas, mas também a ideia de que era possível, sim, andar a pé, sem escolta, sem drone, sem paranoia.
Hoje, temos sensores, câmeras, cercas elétricas e uma multidão de alarmes com vozes que imitam autoridade. Mas dormimos mal. Trancamos três vezes a porta, instalamos aplicativo no celular, e mesmo assim acordamos com a menor fresta de barulho. Falta-nos o guarda noturno, não o homem, mas o que ele simbolizava: a possibilidade de confiar.
Se ele existisse hoje, talvez estivesse num vídeo viral com a legenda “fofura da madrugada”. Os jovens o chamariam de “cringe”, e algum especialista sugeriria substituí-lo por inteligência artificial. Mas duvido que uma IA soubesse soprar o apito como ele fazia.
A verdade é que ele era mais do que um vigia. Era um rito civilizatório, uma coreografia discreta entre segurança e poesia. Sua presença organizava o caos, sem precisar de manual. Era, com certeza, o último romântico de uniforme, no tempo que se acreditava que o mundo podia ser simples, bastava que alguém estivesse disposto a caminhar por ele.
Hoje seu som ecoa apenas na memória. O apito noturno no silencio da serra...
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