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quarta-feira, 30 de julho de 2025


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Pesquisa alerta para rotas de introdução da gripe aviária na Antártica

foto: Maria Ogrzewalska
foto: Maria Ogrzewalska

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

O programa de pesquisa da Fiocruz na Antártica (Fioantar) apresenta mais uma importante contribuição para a proteção da biodiversidade e da saúde global. Um estudo liderado pela Fiocruz decodificou os genomas de três cepas do vírus influenza A H5N1, causador da gripe aviária, detectadas no continente gelado. O patógeno foi identificado em duas aves e um leão-marinho-antártico, encontrados mortos nas Ilhas Shetland do Sul.

Os achados ampliam as evidências de circulação do H5N1 na Antártica e contribuem para o entendimento das rotas de disseminação do vírus, que representa mais um risco para a vida selvagem num ecossistema vulnerável, ameaçado por mudanças climáticas, espécies invasoras, turismo e pesca. Segundo as autoras, os dados reforçam a importância da vigilância e da saúde única na abordagem do agravo, que vem dizimando populações de animais silvestres, impactando cadeias de produção de aves e gado leiteiro e ocasionando casos esporádicos de infecção em seres humanos.

Para os profissionais que atuam na Antártica, as pesquisadoras ressaltam a relevância dos protocolos de biossegurança para prevenir infecções que podem ocorrer através do contato com animais doentes ou mortos. “A análise dos genomas é fundamental para conhecer os caminhos percorridos pelos microrganismos. Observamos que cada um dos três vírus analisados está ligado a uma introdução diferente do H5N1 na Antártica. Isso reforça a necessidade de vigilância, com pesquisas contínuas para monitorar a disseminação e os impactos desse patógeno na região”, declara Maria Ogrzewalska, pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e integrante da equipe do Fioantar.

"Trabalhamos na perspectiva de ‘uma só saúde’. Um vírus respiratório detectado em animais, em qualquer região do mundo, pode vir a ter impacto na saúde humana global. O monitoramento em diferentes regiões do mundo, incluindo a Antártica, é estratégico para melhor prevenção e enfrentamentos de possíveis pandemias", salienta Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do IOC/Fiocruz.

Como forma de comunicação rápida para a comunidade científica, as sequências genéticas decodificadas foram depositadas na plataforma GISAID e uma versão preliminar do estudo foi publicada na plataforma de preprint Research Square, que permite a divulgação imediata de pesquisas, sem processo de revisão por pares. Paralelamente, um artigo foi submetido para publicação em periódico científico e encontra-se em processo de revisão.

O projeto Fioantar integra o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm), da Marinha do Brasil. O estudo teve a colaboração de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade da Califórnia (UC), nos Estados Unidos.

A detectação viral e o sequenciamento genético das amostras foram realizados pelo Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do IOC/Fiocruz, que atua como centro de referência nacional em influenza junto ao Ministério da Saúde e à Organização Mundial da Saúde (OMS). A pesquisa contou com financiamento do Proantar, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (Decit/MS).

Diferentes introduções do vírus

O estudo é fruto das expedições realizadas pelo Fioantar nos dois últimos verões. A confirmação do vírus na carcaça de um gaivotão (Larus dominicanus) na Ilha Livingston em janeiro de 2024, realizada pela Fiocruz, representa o registro mais precoce da presença do H5N1 na área do tratado antártico.

Quase um ano depois, em dezembro de 2024, o patógeno foi confirmado em amostras de um petrel-pintado (Daption capense) na Ilha Linvingston e de um leão-marinho-antártico (Arctocephalus gazella) na Ilha Robert. Ao analisar os genomas dos patógenos, os pesquisadores observaram variações que apontam para diferentes introduções do vírus na Antártica.

Microrganismos da chamada “linhagem de mamíferos marinhos da América do Sul” foram detectados nas carcaças do gaivotão e do leão-marinho-antártico. Esta linhagem emergiu, em 2023, no norte do Chile, espalhando-se ao longo da costa para o sul do país e, posteriormente, para Argentina, Ilhas Malvinas, Uruguai e Brasil.

As infecções atingiram grande número mamíferos marinhos e, com menor frequência, aves marinhas. A linhagem também foi associada com um foco de H5N1 numa criação doméstica de galinhas no Brasil e uma infecção humana no Chile, ambos em 2023.
Segundo os pesquisadores, os dados genéticos indicam que as duas cepas analisadas na Antártica derivam de introduções distintas do vírus, provavelmente a partir da Argentina.

Vírus H5N1 do clado de mamíferos marinhos foram implicados na mortalidade em massa de pinípedes, como leões e lobos-marinhos, no Chile, Argentina, Uruguai e Brasil.  Em outra trajetória, o vírus detectado no petrel-pintado pertence à chamada “linhagem aviária da América do Sul” e foi introduzido a partir da Georgia do Sul, reforçando o papel deste território como trampolim para a disseminação do H5N1 na Antártica. Esta linhagem viral surgiu no Peru, em 2022, e se espalhou para o sul, até o Chile, e para o leste, até Uruguai, Argentina e Brasil. Em 2023, chegou à Geórgia do Sul, arquipélago situado na região subantártica, que fica imediatamente ao Norte região Antártica.

Dados genéticos de diversas pesquisas, incluindo o estudo liderado pela Fiocruz, indicam que, a partir da Geórgia do Sul, a linhagem aviária do H5N1 alcançou as Ilhas Shetland do Sul, Torgersen, Crozet e Kerguelen todas dentro da área do tratado antártico, sendo as duas últimas a mais de 5 mil km de distância. Embora seja detectada principalmente em aves domésticas e selvagens, também existem registros de infecções pela linhagem aviária em mamíferos marinhos.

De acordo com as cientistas, a ampliação das pesquisas deve contribuir para compreender diferenças entre as linhagens virais do H5N1 caracterizadas na América do Sul. “Algumas variações genéticas indicam que o clado de mamíferos marinhos tem adaptações que facilitam a transmissão entre mamíferos. No entanto, a caracterização de linhagens do H5N1 ainda é inicial. Até o momento, observamos que vírus dos dois clados são capazes de infectar aves e mamíferos, mas existem diferenças na frequência de infecções”, aponta Maria.

Preparação contra influenza H5N1

O vírus H5N1 está no foco da vigilância da influenza desde 1996, quando o patógeno foi isolado pela primeira vez em aves.
A atenção foi redobrada a partir de 2020, devido ao surgimento de uma variante viral que se espalhou pelo mundo, provocando surtos com alta mortalidade em aves e mamíferos, além de infecções eventuais em seres humanos.

Nos Estados Unidos, o vírus atingiu granjas e se disseminou no gado leiteiro. Setenta pessoas foram infectadas, sendo a maioria trabalhadores com contato direto com gado ou aves. Uma pessoa morreu.

No Brasil, o vírus foi identificado, pela primeira vez, em maio de 2023, em aves marinhas no Espírito Santo. Desde então, foram confirmados 174 focos de infecção, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária. Animais silvestres foram os mais atingidos, respondendo por 168 focos, principalmente em aves marinhas, além de alguns leões marinhos. Cinco focos foram notificados em criações domésticas de galinhas e ganso, em diferentes estados do país, sendo três em 2023 e dois este ano. Em maio deste ano, foi registrado o primeiro foco numa granja comercial, na cidade de Montenegro, no Rio Grande do Sul.

Como serviço de referência, o Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do IOC/Fiocruz realiza diagnóstico de casos suspeitos de gripe aviária em seres humanos e apoia o Ministério da Saúde na vigilância do agravo, integrando grupos de trabalho montados pela pasta, juntamente com a Coordenação de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Presidência da Fiocruz.

A chefe do Laboratório ressalta que o enfrentamento da gripe aviária exige atuação integrada dos ministérios da Agricultura e Pecuária, do Meio Ambiente e da Saúde. “Precisamos de monitoramento em tempo real da circulação do vírus nos diferentes hospedeiros. Junto com o Ministério da Saúde, estamos acompanhando essa questão com bastante atenção. Até o momento, todos os casos suspeitos foram descartados, ou seja, não foi detectada a presença do vírus H5N1 em pacientes”, relata Marilda.

Descobertas no continente gelado

O projeto Fioantar começou em 2019. Anualmente, durante o verão, pesquisadores da Fiocruz viajam até a Antártica para investigar a presença de microrganismos na região que possam ameaçar a saúde global ou contribuir para a biotecnologia.

Na primeira expedição, os cientistas identificaram o vírus influenza A, subtipo H11N2, em pinguins nas Ilhas Shetland do Sul. O patógeno foi detectado em amostras de fezes de pinguins-de-adélia (Pygoscelis adeliae) e de-barbicha (Pygoscelis antarcticus) coletadas entre novembro de 2019 e janeiro de 2020. Publicado na revista científica Microbiology Spectrum, o estudo apontou a circulação contínua do patógeno na região, reforçando a importância da vigilância.

A partir das coletas realizadas em janeiro e fevereiro de 2023, um coronavírus aviário foi detectado em fezes de gaivotões (Larus dominicanus). Aplicando técnicas de metagenômica, os pesquisadores conseguiram sequenciar o genoma completo do patógeno, identificando um Deltacoronavirus previamente em pinguins-gentoo (Pygoscelis papua) em 2014. O achado foi divulgado em artigo recém-publicado no periódico Microbiology Spectrum, chamando atenção para a circulação do vírus em diferentes espécies de aves.

“Através do Fioantar, a Fiocruz vem pesquisando a presença de diversos tipos de patógenos em animais e no ambiente antártico. Os estudos sobre vírus respiratórios contribuem para ampliar a compreensão sobre como essas doenças, incluindo a influenza, se disseminam ao longo do tempo, nas diferentes espécies nessa região", aponta Marilda.

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