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sábado, 31 de maio de 2025


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Precisamos de engenheiros para o país crescer

- Fernando Henrique da Silveira Neto, Engenheiro e Professor

Foto: Divulgação
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O capítulo 43 do livro Uma Crônica da Ciência no Ocidente, de José Luiz Alquéres, que trata das ciências naturais, sociais e medicina no século XIX, aborda a disseminação do método científico e sua contribuição durante a Revolução Industrial.

Quando se discutia a Constituição de 1823, que estava sendo redigida por um grupo de brasileiros, onde a grande figura era José Bonifácio, D. Pedro I ordenou o encerramento dos trabalhos, mandou todos para casa, fechou a Constituinte e ele mesmo escreveu uma outra que outorgou.

Na Constituição de 1823, José Bonifácio defendia, a exemplo do que havia ocorrido em Portugal com o Marquês de Pombal, que o Estado cuidasse do ensino superior concentrado nas ciências naturais, que é o curso que ele tinha feito em Coimbra, no curso de Engenharia. José Bonifácio entendia, já nesse período do Iluminismo, que a razão dominava o pensamento filosófico europeu, e que o futuro se organizaria em torno da ciência.

Com o afastamento de Bonifácio, prevaleceu a corrente do bacharelismo, que dizia que um país jovem precisava de advogados para comandar as suas instituições. O Estado brasileiro patrocinou então a criação das duas primeiras escolas de Direito do país: a Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, e a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco.

Não devemos desprezar jamais a formação em ciências sociais e humanas, mas há números no Brasil de hoje que são desanimadores. Já tivemos grandes empresas de engenharia, como a Montreal, a Internacional, a Hidroservice e a Sondotécnica, entre outras, que, com seus quadros de engenheiros qualificados, desenvolveram projetos e conduziram obras e serviços que o país necessitava.

Multinacionais como a Ericsson e a Siemens tinham muitos engenheiros de telecomunicações. A nascente área de informática da década de 70 se consolidava com a IBM, Burroughs e Univac. E o governo, com a Datamec e o Serpro, contratava profissionais de tecnologia e se preparava para grandes projetos na área.

Hoje, vejo com preocupação a diminuta formação desses profissionais, indispensável para que o país cresça e se desenvolva em áreas de tecnologia, pesquisa, inteligência artificial e outras, capazes de nos tornar, de fato, um país competitivo e de excelência no mundo.

Segundo o Censo Demográfico de 2022 do IBGE, as áreas com maior número de graduados, com cerca de 16,1 milhões, são Direito, Administração, Saúde e Educação, enquanto Engenharia, Produção e Construção somam 2,4 milhões. Já as áreas de TI e Agricultura, fundamentais também para o desenvolvimento tecnológico, totalizam pouco mais de 1 milhão. E essa tendência parece se consolidar se olharmos que cursos os estudantes procuram hoje em dia.

O Ministério da Educação (MEC) divulgou os cursos com maior número de matrículas no ensino superior em 2022, onde Pedagogia, Direito e Administração somam 2,2 milhões de alunos, enquanto Engenharia Civil soma apenas 234 mil. É também sabido que cursos noturnos têm alunos que quase sempre trabalham durante o dia, assistem às aulas muitas vezes cansados e, em geral, com aproveitamento menor do que alunos de cursos diurnos. Pois bem, o Instituto Semesp (Base INEP) fez um levantamento de cursos presenciais por turno na rede privada, e os números impressionam, pois 64% dos alunos estudam à noite.

Vale observar que a Câmara dos Deputados em Brasília tem 103 advogados e 22 engenheiros como profissão declarada em seu site oficial. Nas Comissões Permanentes, estão um advogado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, um administrador na Comissão de Educação, um advogado na Comissão de Minas e Energia e um administrador na Comissão de Viação e Transportes.

Se o Brasil continuar a formar uma massa imensa de advogados e administradores, mas poucos profissionais capazes de produzir tecnologia, como produzirá pesquisa de ponta e conhecimento científico? Como poderá competir com países como a China, Coreia do Sul, Índia ou Estados Unidos? Continuaremos a ser meros exportadores de commodities, mas importadores de tecnologia e bens de alto valor agregado?

Embrapa e Embraer são dois exemplos da capacidade que temos de pesquisar, desenvolver e fazer a diferença, mas representam o resultado de décadas de investimento maciço no desenvolvimento de pessoas e equipes de alto desempenho. Não existem resultados imediatos. É bom lembrar que a Embraer tem origem num investimento governamental e, se hoje é uma empresa privada bem-sucedida, contou, do nascedouro até sua adolescência, com profissionais formados pelo Estado. E boa parcela do sucesso do agronegócio brasileiro se deve à Embrapa, até hoje uma empresa pública.

A mídia aborda muito mais assuntos sobre o STF, STJ, PGR, AGU, e pouco noticia sobre o IMPA, ITA, COPPE, PUC, USP, Embrapa e Embraer. Há uma nova legislação que obriga cursos presenciais de Direito, enquanto os cursos de Engenharia podem ser frequentados à distância, ou seja, abre-se mão de laboratórios e experimentos científicos fundamentais para a formação não só de engenheiros, mas de físicos, químicos e outros profissionais de tecnologia. E assim, o bacharelismo continua a ser mais importante no país.

Espanta também o anúncio que, após tanto tempo interrompida, a construção da nova subida da serra de Petrópolis caminho rodoviário natural para Belo Horizonte e Brasília tenha 2031 como data de entrega. Em recente artigo, Alquéres lembra da construção de Brasília em cinco anos, “feito significativo de JK, fato que ocorreu há 64 anos”. E afirma que “ninguém precisa ser engenheiro, basta consultar alguns feitos recentes da engenharia em outros países e mesmo de obras significativas, como os túneis na Rodovia dos Tamoios, para estimar que uma obra utilizando viadutos, cortes e túneis já iniciados em gestões governamentais anteriores não deveria consumir mais do que um ano para sua execução”.

Quem nasceu no século XX hoje constata a promessa frustrada que veria um Brasil desenvolvido. É hora de repensar os rumos de nossa educação.

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