Leandro Garcia é o primeiro a lançar uma obra de estudo sobre cartas no Brasil
Daniel Xavier - estagiário
O primeiro livro no Brasil a tratar de teorias do gênero epistolar, que pesquisa cartas e correspondências, será lançado por um morador de Petrópolis. Cartas que Falam é a nova obra de Leandro Garcia Rodrigues, presidente da Academia Petropolitana de Letras (APL), que utiliza correspondências de escritores como Alceu Amoroso Lima, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral como objeto de estudo. A proposta de análise é de que as cartas são um testemunho da criação literária, mas, principalmente, uma forma de manifestação da vida. Que falam sobre o íntimo daquele que escreve e do ambiente ao redor.
As quase 500 páginas da obra, que contemplam 25 anos de pesquisa do professor, reúnem uma reflexão teórica sobre esse meio de comunicação como uma memória viva, que une pessoas. O lançamento está previsto para o dia 3 de abril, às 19h, na Livraria da Travessa, em Botafogo, cidade do Rio de Janeiro. O livro poderá ser adquirido por meio da editora Relicário.
Leandro conta que as cartas que mais o emocionaram até hoje foram as de Frei Betto, escritas quando foi preso pela ditadura militar no Brasil. Estas também são objetos de estudo em Cartas que Falam.
"As cartas que Frei Beto escreveu, denunciando a tortura e a morte de vários presos políticos na ditadura, me tocam profundamente. E são um ótimo exemplo do intuito desta obra: ele as escrevia com letras minúsculas, em embalagens de cigarro. A mãe dele é quem as recolhia quando o visitava no presídio e as postava. O ambiente influencia na escrita nesse caso. O mesmo com Tarsila, que sempre fazia uma pintura naquelas em que redigia. Aquele documento não apenas comunica uma mensagem. Ele é a manifestação da intimidade de quem o escreve", detalha Garcia.
Estudo literário
O professor Leandro Garcia Rodrigues ainda explica a diferença que há entre as obras epistolares e dos ensaios sobre epistolografia.
"A minha obra não é um livro de publicação de cartas, as chamadas obras epistolares, em que há presente apenas as correspondências entre um indivíduo e outro. O que proponho é justamente uma reflexão teórica sobre estas correspondências presentes nessas obras. Isso é a pesquisa do gênero epistolar: um estudo sobre esse gênero literário, tão pouco difundido. Tanto que no Brasil, há somente cinco ou seis especialistas neste segmento em específico", lamenta ele.
"No meu livro, inclusive, há artigos que escrevi no início do meu mestrado, no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000. E revisitando esse material, eu decidi por não os alterar. Pois o leitor acompanha a evolução desse meu estudo, e agrega na compreensão da reflexão teórica. Já que este é um livro multidisciplinar. Ou seja, ele passeia por vários temas e angulações distintas", complementa.
Memória viva
Garcia Rodrigues diz que além de um objeto de estudo nichado, há uma dificuldade de acesso a material de estudo. Por isso, ele ressalta o papel que instituições de acervo histórico atuam na difusão da história e cultura. E que atrai pessoas a compreender e mergulhar naquele cenário de outrora.
"Infelizmente, não há uma conduta de conservação das correspondências trocadas entre pessoas comuns. Por isso, focamos no estudo dos escritores canônicos. Pois há instituições de salvaguarda, que se dedicam à construção de um arquivo e acervo valiosíssimos. Petrópolis conta com dois deles: o Museu Imperial e o Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade CAAL", conta ele.
"A disposição desse material é indispensável para manter viva a história e cultura do nosso país. Não só isso. Possibilita que as essências dessas figuras se façam presentes através da história, até hoje. A partir de diferentes tipos de caligrafias, linguagens, confidências, desabafos, informes, sugestões, ironias, é possível compor o fio da vida de remetentes e destinatários, sua personalidade, e interpretar as suas intenções. É uma memória viva", finaliza.
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