Psicólogas alertam para relacionamentos tóxicos
Jaqueline Gomes
Há quem ache que ciúmes é demonstração de amor ou de cuidado, mas, em alguns casos, o excesso deste sentimento pode se tornar tóxico. Psicólogas explicam que o ciúme patológico está ligado a inseguranças pessoais e pode levar a controle abusivo. A solução passa por autoconhecimento, diálogo e, em casos graves, terapia de casal.
De acordo com a psicóloga Claudia Melo, o ciúme, em sua forma mais crua, é um reflexo da nossa vulnerabilidade. “Todos sentimos, em algum grau, medo de perder aquilo que amamos. O ciúme "normal" é aquele que reconhece essa dor sem aprisionar o outro. Ele é consciente, dialogado, atravessado por amor e confiança. O ciúme doentio, ao contrário, nasce da tentativa de controlar o incontrolável. Ele sufoca, monitora, interroga, invade. É quando o medo de perder o outro se transforma em posse. E quando há posse, já não há espaço para amor apenas para o medo disfarçado de zelo. A diferença está na liberdade: o ciúme saudável não aprisiona. O doentio, sim”, analisa Claudia.
A também psicóloga Andressa Taketa define o ciúme como “uma emoção humana comum, quando é pontual, diante de situações reais e rapidamente resolvido com diálogo, aí pode ser considerado normal. O ciúme doentio aparece sem motivos concretos, é constante, sufocante e leva à vigilância, desconfiança crônica e tentativas de controle do outro”, revela.
De acordo com as especialistas, existem casos em que é necessário procurar ajuda profissional. “Quando o relacionamento se torna um campo de tensão constante, quando os diálogos viram confrontos, quando o medo substitui a liberdade e o amor é confundido com sofrimento, é hora de buscar ajuda. A terapia, especialmente a de casal ou individual, é um espaço seguro para reconhecer padrões, escutar as dores que se repetem, reencontrar a própria voz. A ajuda profissional não é para quem “fracassou”, mas para quem ainda tem esperança ,inclusive, a esperança de reencontrar a si mesmo”, explica Claudia Melo.
A mesma orientação é dada por Andressa. “Sempre que o ciúme começa a gerar sofrimento real, seja para quem sente ou para quem convive com ele. Se há brigas frequentes, ameaças, invasão de privacidade, chantagens emocionais ou controle da liberdade individual, isso já ultrapassou os limites do saudável e precisa de intervenção. A psicoterapia ajuda a entender as raízes do ciúme (geralmente ligadas à insegurança, baixa autoestima e traumas de abandono), enquanto a terapia de casal pode ser indicada se ambos estiverem comprometidos com a mudança”, recomenda.
As psicólogas também alertam para as pessoas que sentem necessidade de provocar ciúmes em seus parceiros. “Geralmente, essas atitudes têm raízes profundas. Quem provoca ciúmes frequentemente carrega sentimentos de invisibilidade, baixa autoestima ou medo de ser desimportante. Provocar ciúmes é uma forma inconsciente de testar se ainda se é amado. É um grito disfarçado: "Você ainda me vê? Ainda me escolhe? Ainda me quer?". Por trás da provocação, há muitas vezes uma dor antiga não nomeada. Na perspectiva existencial, a provocação de ciúmes é menos sobre o outro, e mais sobre a dificuldade de se sentir digno de amor”, diz Claudia.
“Algumas pessoas provocam ciúmes como estratégia inconsciente de validação. É uma forma disfuncional de testar o quanto o outro “se importa” ou de manter o controle na relação. Outras usam esse comportamento para compensar inseguranças ou carências, tentando se sentir mais desejadas ou valorizadas. Há também quem use o ciúme como arma de poder: instiga o outro a competir, se esforçar, se submeter emocionalmente. Isso, com o tempo, mina a autoestima e desequilibra a dinâmica do casal”, explica Andressa Taketa.
Em público, o ciúme pode se tornar um teatro desconfortável, onde os sentimentos explodem sem filtro e o respeito se rompe. “Para quem sente, o convite é: respire. Adie a conversa. Reconheça o que está sentindo sem agir no impulso. A dor é real, mas ela pode ser acolhida antes de ser despejada. Para quem é alvo do ciúme, o convite é o mesmo: não reaja com vergonha ou fúria. Coloque limites com firmeza e afeto, mas deixe claro que o diálogo virá no momento certo, com calma. Em ambos os casos, o mais importante é não permitir que o momento público vire um campo de humilhação. Preservar o respeito mútuo é um sinal de maturidade emocional”, orientam as psicólogas.
Quando o ciúme se torna abusivo e não há perspectiva de mudança, é necessário planejar uma saída com segurança. Isso envolve buscar apoio de pessoas confiáveis e ajuda terapêutica.
Sinais de que é hora de sair: comportamentos abusivos que escalaram ou se tornaram frequentes, ausência de reconhecimento do problema por parte do parceiro ciumento, impacto significativo na saúde mental, autoestima e funcionamento social, isolamento de amigos e familiares imposto pelo parceiro, medo constante de reações do parceiro, tentativas de mudança que não resultaram em melhoras duradouras.
“O mais importante é lembrar que relacionamentos saudáveis são baseados na confiança, respeito mútuo e liberdade individual. O ciúme excessivo nunca é demonstração de amor, mas sim de insegurança e necessidade de controle que prejudica ambos os parceiros”, afirma Andressa.
Mas, se ainda há esperança no relacionamento, pode ser possível reconstruir a confiança, mas, isso exige trabalho emocional dos dois lados. “A confiança é como um vaso quebrado: pode ser colado, mas nunca será exatamente como antes. Para reconstruir a confiança é necessário reconhecer a dor causada, assumir responsabilidades e criar novos acordos, com mais clareza e segurança e diálogo”, aponta Taketa.
“É um processo delicado. A confiança não é uma promessa, é uma escolha que se renova todos os dias. Reconstruí-la exige entrega, verdade e tempo. Na abordagem existencial, acreditamos que a confiança nasce do encontro verdadeiro entre dois seres que se reconhecem imperfeitos, mas dispostos. É preciso que ambos estejam abertos a se escutarem profundamente, a se responsabilizarem pelos próprios sentimentos e a assumirem o risco de confiar novamente. Reconstruir a confiança é um ato de coragem existencial: é escolher caminhar junto, mesmo com cicatrizes”, conclui Claudia.
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