Leandro Garcia
Escritor, pesquisador e presidente da Academia Petropolitana de Letras
Os versos acima pertencem ao soneto “Petrópolis”, de Farid Félix. Assim como eu, Farid não era petropolitano de nascimento, mas o era de coração e de alma. É nesta perspectiva de um entre-lugar que escrevo este texto, refletindo um pouco o que é ser petropolitano por escolha.
Cheguei a Petrópolis há 12 anos, motivado pela aprovação num concurso docente para o CEFET da nossa cidade, onde lecionei Língua Inglesa e Cultura Brasileira no bacharelado em Turismo. Já instalado, comecei a lecionar Literatura Portuguesa no curso de Letras da Universidade Católica local, bem como transferi a minha matrícula de professor estadual do Rio para cá, atuando também no Ensino Médio do Colégio Estadual Irmã Cecília Jardim (ICJ), na Estrada da Saudade. Assim, em menos de um ano, eu já lecionava em três grandes instituições locais, o que me possibilitou conhecer e adentrar no universo da educação petropolitana.
Talvez por carisma pessoal, ou mesmo por uma certa inquietação toda minha, aproximei-me dos aparelhos culturais da cidade, especialmente das nossas academias literárias. Conheci a professora Catarina Maul, então presidente da Academia Brasileira de Poesia (ABP), que logo me abriu as portas daquela Casa poética e me convidou para pleitear uma cadeira então vaga. Em 2014, tomei posse na mesma, o que me possibilitou a inserção neste mundo todo particular da Cidade de Pedro. Na ABP, fiz grandes amigos e, pouco tempo depois, logo veio o convite para tentar uma vaga aberta da Academia Petropolitana de Letras (APL), na sucessão do grande poeta Walter Faria Pacheco. À época, a APL era presidida pela escritora Christiane Michellin e minha inscrição foi indicada pelo caro Gerson Valle e outros confrades, conforme o regulamento. No início de 2016, tomei posse nesta centenária academia, a qual tenho tido o prazer de presidir tempos depois, no quadriênio 2021-2025. Como os caminhos da vida são sempre estreitos e temos grandes amigos que caminham conosco, estes me indicaram para uma vaga ora aberta no Instituto Histórico de Petrópolis (IHP), para o qual fui eleito por unanimidade, tomando posse no mesmo em 2022. Com isso, no espaço de 10 anos, inseri-me nessas importantes instituições culturais da nossa cidade, tendo presidido uma delas, o que me possibilitou conhecer muito bem a realidade cultural e acadêmica de Petrópolis... bem como a própria cidade... o que me autoriza a tecer algumas reflexões ao seu respeito, sem qualquer tipo de ufanismo:
POLÍTICA: assim como o Brasil, Petrópolis também é vítima de muitos fisiologismos políticos que atrapalham o seu crescimento. Em geral, cada legislatura tenta “descobrir a roda” e propor as coisas mais mirabolantes, cancelando ações e programas positivos da gestão anterior, no sentido de marcar a identidade daqueles que ora estejam no poder. Isto é péssimo, pois muita coisa boa é cancelada, interrompendo um continuísmo de políticas públicas que, em determinadas realidades, seria o melhor para a própria cidade.
POBREZA SOCIAL: quando aqui cheguei, impressionava-me o fato de não haver pessoas pelas ruas implorando pela caridade alheia, algo que sempre foi comum na Zona Oeste do Rio, de onde eu vim. De alguns anos até hoje, o que me impressiona é justamente o contrário: uma imensa parcela da nossa população em profundo estado de miséria e vulnerabilidade social, vagando pelas ruas, dormindo pelas calçadas e marquises, nas portas das lanchonetes pedindo qualquer coisa para comer. Aliás, lembro que a fome é uma das maiores vergonhas da humanidade, um verdadeiro atentado contra a dignidade da pessoa humana. Onde se falhou, na falta (ou não continuidade) das boas políticas sociais? No desemprego crônico do próprio país? Na falta de empregos na cidade, com a saída de inúmeras empresas daqui?
MEIO AMBIENTE: as pessoas, especialmente os políticos e autoridades, ainda pensam que se exagera quando intelectuais e cientistas alertam para os efeitos nefastos do aquecimento global e suas consequências. Já vivemos os terríveis efeitos desta situação em nossa cidade, que a cada dia perde parcelas da sua cobertura vegetal para um crescimento desordenado dos morros e de suas encostas. Tempestades torrenciais, desequilíbrios na fauna (extinção de algumas espécies), falta d’água, incêndios duradouros, desertificação de alguns locais e aumento absurdo da temperatura são alguns desses fatores que sentimos na pele, cada vez mais, a cada dia.
INSEGURANÇA: muitas reportagens e pesquisas apontam Petrópolis como uma das cidades mais seguras do Rio de Janeiro para se viver. Concordo em parte! Nosso parâmetro comparativo é sempre o Rio de Janeiro, neste sentido, é claro que Petrópolis é mais segura, pois viver no Rio tem sido inviável em termos de (in)segurança. Todavia, quem vive aqui e circula pela cidade no dia a dia, tem visto uma clara demonstração do aumento da violência que se reflete em vários aspectos: A) a ação perigosa dos chamados “flanelinhas” que tem aumentado num nível assustador; todos os pontos turísticos foram dominados por estas hordas que cobram até R$ 50,00 para “guardar” um veículo. Quem não paga, tem seu veículo danificado, pneus furados e outras mazelas. Neste aspecto, no que diferenciamos da capital? B) roubos menores: todo dia se escuta notícias de idosos sendo furtados pelas ruas, especialmente no Centro, bem como adolescentes que perdem seus celulares para diferentes infratores. O que é possível fazer? Aumentar o policiamento? Criar mecanismos de controle (câmeras ou sistemas inteligentes de identificação)? Potencializar as políticas públicas no campo social? C) Tráfico de drogas: estas, infelizmente, chegam à cidade através das vias públicas e como chegam? Quem permite que as mesmas adentrem no nosso território? Falta uma maior fiscalização nas entradas e saídas da cidade? Há conivências?
Entretanto, com todos esses problemas e tantos outros que o limite de espaço nesta página não permite mencionar Petrópolis ainda insiste em seguir com os seus encantos e beleza: natureza exuberante, história viva, arquivos documentais, patrimônio arquitetônico, instituições culturais etc. Falo isso, como insisti anteriormente, sem qualquer ufanismo, mas com forte senso se realidade, querendo o melhor para esta terra.
Insisto em afirmar que uma das decisões mais acertadas da minha vida foi ter me transferido para cá, em 2013, pois aqui fiz amigos e desenvolvi minhas potências no campo intelectual e acadêmico. Por isso, agradeço a esta cidade tão querida que acolheu a mim e a minha família, que me abriu portas e janelas para as minhas pesquisas e produção de conhecimento. Termino reafirmando os versos de Farid Félix: “Se ao nascer, te não tive por meu berço, / que ao menos eu te tenha por meu túmulo”.
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