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Sem palavras

Ataualpa A. P. Filho Professor

Foto: Pixabay
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O que dizer?...

Há momentos em que as palavras fogem. Mergulham no espaço do imponderável pela irreversibilidade de fatos que atingem a alma por uma dor imensurável, intraduzível em vocábulos. Às vezes, ficamos inertes, estáticos, sem saber o que dizer, impotentes diante de golpes que o destino aplica, desestruturando a lógica que tenta impor critérios sobre a morte. O tempo, que nos carrega mundo adentro, vai apontando-a como responsável pela definição do efêmero, do eterno. Nesta caminhada, o absoluto e o relativo se estabelecem pelo desprendimento do supérfluo: o que é essencial ao viver?

A nossa vontade não é soberana. O mundo não gira em torno do nosso umbigo. A efemeridade humana evidencia os nossos limites. Resignação não é comodismo, mas reconhecimento do que impera na realidade: a vida não é movida pelas nossas conveniências. Contradições e contrariedades fertilizam as nossas pegadas neste mundo. Ninguém é de ferro. Se o coração pulsa, a dor está ao lado.

No domingo passado (28/04), apelei para a linguagem não verbal por não encontrar palavras: abracei um amigo que havia perdido uma jovem filha assim no de repente. Eu e mais de centenas de pessoas penduravam um porquê na fatalidade, no inexplicável. Todos, sem exceção, tentavam, de algum jeito, consolar os familiares, os amigos que compartilhavam essa imensurável dor.

Como? Por quê? O não é possível se desespera, uma vez que não encontra lógica na conveniência humana. O apelo à espiritualidade ocorre quando há a crença em milagres como manifestação da fé. Em outras palavras, o bálsamo vem pela subjetividade. O real, o concreto ficam expostos diante dos nossos olhos para dizer que há impossível. Sim, há o impossível que vence todas as nossas prepotências.

Ainda não me dei por vencido. Embora não tenha desistido de tentar entender as faces da morte, atrevo-me a dizer que sem ela não há trágico. Mas nem toda morte é trágica.

A dor que fere o nosso peito é o amor que a produz. Se amamos, se cultivamos a afetividade que se manifesta pelo carinho, as lágrimas pela ausência de um ente querido correm facilmente.

O nosso inconformismo reside na dificuldade de aceitar a partida repentina de alguém com tanta vitalidade, com tanto carinho, com tanta capacidade agregadora. Ao lado de um corpo, tanta gente...

O ser do Bem agrega pelo amor. O inexplicável também reflete as nossas limitações...

Às vezes, precisamos controlar as nossas angústias para não mergulhar no desespero. O sofrimento é inerente à natureza humana, ora se manifesta por razões objetivas, ora por razões subjetivas. Não importa a via pela qual o sofrimento chega. O importante é não se deixar derrotar.

Nos últimos anos, a minha luta contra as adversidades tem sido árdua. Não é muito fácil olhar o tempo que já passou e enxergar, na dúvida, o que ainda nos resta, tendo muitos sonhos a realizar. O viver é a nossa concretude. Foi a grandiosa médica Nise da Silveira quem afirmou: para navegar contra a corrente são necessárias condições raras: espírito de aventura, coragem, perseverança e paixão.

Apaixonar-se pela vida só é possível quando se faz um ciclo de amizade com laços fraternos que nos permitem amar e ser amado. A centelha do amor é que deflagra as paixões. Amar a vida é também saber lidar com as adversidades. A dor não pode ser maior do que a vontade de viver.

Ouço, com frequência, em ritmo de carnaval, a indagação da avó paterna da jovem que partiu: oh jardineira por que estás tão triste/ Mas o que foi que te aconteceu?...

Essa avó já não se interessa pelo que acontece no mundo. Não sabe o que aconteceu. Já cansou de saber...

A outra avó, a materna, viveu até o último fio de tempo que lhe foi concedido. Partiu com mais do que o dobro de anos vivido pela neta.

Fui externar os meus sentimentos a um tio materno da jovem, que também é um grande amigo, ouvi algo que me fez repensar a dimensão da dor que estamos sentindo: nem tudo vai neste caixão. Olha, tem muita gente por aqui: filhas, sobrinhos, sobrinhas netos, netas, muitos amigos.... Vamos superar mais essa. A vida tem que continuar. Agora teremos é que ficar mais juntos pra não dispersar. Não vamos ficar parados, procurando explicação pra morte. Temos que tocar a vida...

Entre os significados do nome desse amigo, encontramos um: pronto para o combate....

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