Mauro Peralta - médico e ex-vereador
Como todos já esperavam, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro já tinha resultado definido antes mesmo de começar. Dos cinco ministros do STF que participaram, quatro foram indicados ao cargo pelo PT. Ainda assim, contrariando algumas previsões, o ministro Luiz Fux surpreendeu ao apresentar um voto divergente de mais de 13 horas, contestando uma a uma as teses da Procuradoria-Geral da República, do relator e de outros ministros.
No processo que analisa a suposta tentativa de golpe de Estado, sem armas, sem sangue e sem apoio das Forças Armadas, Fux destacou inúmeros vícios processuais. Demonstrou, por exemplo, que os réus não tinham foro privilegiado e, portanto, jamais poderiam ter sido julgados diretamente pelo STF, muito menos por uma de suas turmas, mas sim pelo plenário da Corte. Além disso, apontou que a defesa foi cerceada, sem tempo hábil nem pleno acesso aos autos. O processo ultrapassa 200 mil páginas, equivalentes a cerca de 70 terabytes, um volume de dados que exigiria quase 26 mil reais em unidades de armazenamento e décadas de leitura para ser analisado com rigor por uma pessoa comum. Questionou ainda provas frágeis, como a análise de uma simples caderneta do general Augusto Heleno, apresentada como elemento incriminador.
É importante ressaltar o perfil dos ministros que participaram do julgamento. Dos cinco, apenas Luiz Fux fez carreira pela via tradicional da magistratura. Formado em Direito, foi advogado até ser aprovado em concurso público para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, onde exerceu o cargo de promotor de justiça de 1979 a 1982. Em seguida, em 1983, também por concurso, ingressou na magistratura fluminense como juiz de direito, cargo que ocupou até 1997, quando foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em 2001, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, permanecendo até 2011, quando foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em contraste, a ministra Cármen Lúcia, indicada por Lula em 2006, é apenas bacharel em Direito. Cristiano Zanin, indicado por Lula em 2023, foi advogado pessoal do presidente descondenado na época da Lava Jato. Flávio Dino tem uma trajetória marcada pela militância política: foi filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) de 1987 até 1994, quando deixou o partido para ingressar como juiz federal de primeira instância, cargo que ocupou até 2006. Nesse mesmo ano, deixou a magistratura para se filiar ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pelo qual foi deputado federal entre 2007 e 2011. Em seguida, foi ministro no governo Dilma Rousseff entre 2011 e 2014, e governador do Maranhão por dois mandatos consecutivos, de 2015 até 2022. No ano seguinte, migrou para o Partido Socialista Brasileiro (PSB), foi eleito senador e, poucos meses depois, em 2023, indicado por Lula ao STF. Já o relator Alexandre de Moraes possui um perfil psicológico que merecia ser estudado pelo mestre Talvane Marins de Moraes, grande referência em psiquiatria forense.
Se Montesquieu estivesse entre nós, vibraria ao ver Fux derrubar, um a um, os argumentos de Moraes e demais ministros alinhados ao governo. O iluminista francês, defensor da democracia e da separação de poderes, sempre advertiu que o poder concentrado em poucas pessoas leva à tirania. Ministros militantes concentram em si um poder que Montesquieu seguramente classificaria como autoritário.
O exemplo recente da revolta no Nepal, protagonizada por jovens cansados do autoritarismo estatal, deveria servir de alerta aos políticos do Supremo e do governo como um todo. O mundo está mudando, e repressão, perseguição política e censura às redes sociais e à imprensa são práticas ditatoriais incompatíveis com aqueles que dizem defender a democracia. Por isso, não é exagero nenhum dizer que hoje temos mais políticos do que juízes na Suprema Corte. Tenhamos fé em Deus de que a verdade, mais cedo ou mais tarde, prevalecerá.
Veja também: